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23_04

ACEITAR EMOÇÕES NEGATIVAS

 


THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Ficamos nervosos com uma apresentação de trabalho que se aproxima e lamentamos nossa falta de confiança. Ficamos com raiva de nosso parceiro e depois nos sentimos culpados por nossa impaciência. Nossas emoções, sem dúvida, influenciam nosso bem-estar - mas pesquisas recentes sugerem que a forma como julgamos e reagimos a essas emoções pode nos afetar ainda mais.

Em um estudo publicado em março na revista Emotion, os pesquisadores descobriram que pessoas que habitualmente julgam sentimentos negativos - como tristeza, medo e raiva - como ruins ou inadequados têm mais sintomas de ansiedade e depressão e se sentem menos satisfeitas com suas vidas do que pessoas que geralmente percebem suas emoções negativas sob uma luz positiva ou neutra.

As descobertas se somam a um crescente corpo de pesquisa que indica que as pessoas se saem melhor quando aceitam suas emoções desagradáveis como apropriadas e saudáveis, em vez de tentar combatê-las ou reprimi-las.

“Muitos de nós temos essa crença implícita de que as emoções em si são ruins, de que vão fazer algo ruim para nós”, disse Iris Mauss, uma psicóloga social que estuda emoções na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e coautora do novo estudo. Mas na maioria das vezes, ela disse, “as emoções não nos prejudicam”.

“Na verdade, é o julgamento que causa, em última análise, o sofrimento.”

Por que julgar seus sentimentos pode prejudicá-lo

Quando percebemos nossas emoções como ruins, acumulamos mais sentimentos ruins sobre os já existentes, o que nos deixa com uma sensação ainda pior, disse Emily Willroth, psicóloga da Universidade de Washington em St. Louis e coautora do novo estudo. É provável que aumente tanto a intensidade de nossos sentimentos negativos quanto a quantidade de tempo que sofremos com eles. Em vez de ter um sentimento que passa naturalmente depois de alguns minutos, “você pode ficar ruminando sobre isso uma hora depois”, disse ela.

Evitar ou suprimir sentimentos também pode ser contraproducente. Em um pequeno ensaio clínico, os pesquisadores pediram às pessoas que colocassem uma das mãos em um local com água gelada e aceitassem seus sentimentos de dor ou os reprimissem. Aqueles que tentaram suprimir seus sentimentos relataram mais dor e não aguentaram a água gelada por tanto tempo quanto aqueles que aceitaram seu desconforto. Outra pesquisa ligou a supressão emocional a um risco aumentado de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade.

“Quando resistimos, aquilo persiste”, disse Amanda Shallcross, médica naturopata que estuda regulação emocional na Cleveland Clinic. Quando você evita suas emoções, “você está fadado a experimentar uma saúde mental e física negativa a longo prazo”.

A pesquisa também sugere que, se você tem o hábito de julgar negativamente suas emoções, pode ficar mais chateado quando se depara com uma situação estressante. Em um estudo de 2018, a Dra. Mauss e seus colegas perguntaram às pessoas se elas tendiam a aceitar suas emoções ou julgá-las como ruins. Em seguida, eles pediram aos participantes que fizessem um discurso de três minutos sobre suas qualificações para um emprego - uma tarefa conhecida por induzir estresse. Os participantes que disseram que geralmente não aceitavam suas emoções relataram sentir mais sentimentos negativos enquanto faziam o discurso. Em um experimento de acompanhamento, os pesquisadores descobriram que os indivíduos que geralmente não aceitavam suas emoções relataram uma piora em seu bem-estar psicológico e apresentaram mais sintomas de depressão e ansiedade seis meses depois.

Como fazer as pazes com seus sentimentos

Primeiro, lembre-se de que sentimentos desagradáveis fazem parte da experiência humana. “Nenhuma emoção é inerentemente ruim ou inapropriada”, disse a Dra. Willroth. Os sentimentos negativos podem até servir a um propósito, acrescentou ela. “A ansiedade pode ajudá-lo a enfrentar uma ameaça em potencial, a raiva pode ajudá-lo a se defender e a tristeza pode sinalizar para outras pessoas que você precisa do apoio social delas.”

Quando você experimenta um sentimento ruim, você não precisa amar o sentimento, apenas tente se sentir neutro em relação a ele. O novo estudo descobriu que as pessoas que reagiram de forma neutra eram tão psicologicamente saudáveis quanto aquelas que reagiram de forma mais positiva. A Dra. Shallcross sugeriu abordar o sentimento com curiosidade e “usar seu corpo e sua experiência como um laboratório: ‘O que há aqui?’”

Também pode ajudar lembrar que o sentimento não durará para sempre. “As emoções geralmente duram pouco - e, se simplesmente as deixarmos passar, muitas vezes elas se resolvem em questão de segundos ou minutos”, disse a Dra. Willroth.

A prática e a experiência também podem facilitar a aceitação emocional. O bem-estar emocional aumenta com a idade, e a pesquisa da Dra. Shallcross descobriu que isso pode resultar parcialmente do fato de que as pessoas geralmente aceitam melhor suas emoções à medida que envelhecem.

É importante observar que aceitar as emoções é diferente de aceitar as situações que causam emoções ruins. “Quando falamos sobre aceitar sentimentos, as pessoas costumam ouvir isso como se fosse: ‘Ah, você deveria ser complacente’”, disse Brett Ford, psicóloga da Universidade de Toronto que estuda como as pessoas gerenciam suas emoções. Mas essa não é a conclusão certa, disse ela. No mínimo, a aceitação emocional pode facilitar a mudança: se não estamos concentrando nosso tempo e energia em criticar nossos sentimentos, temos mais tempo e energia para melhorar nossas vidas e mudar o mundo. 

Por Melinda Wenner Moyer




 


ANSIEDADE

 


Você está ansioso? O que você pode fazer e quando buscar ajuda

Vários estudos comprovam os benefícios da ioga, da meditação, dos exercícios respiratórios e do contato com a natureza para reduzir a ansiedade

O mundo vive uma epidemia de ansiedade —e o Brasil se destaca nesse cenário. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o país tem o maior número de pessoas ansiosas no mundo. A situação agravou com a pandemia: a mesma OMS aponta que a ansiedade e a depressão aumentaram mais de 25% no primeiro ano de enfrentamento da Covid.

Mais um dado: de acordo com a pesquisa Global Health Service Monitor, realizada em 2022 pela empresa Ipsos em 34 países, a preocupação com saúde mental quase triplicou nos últimos quatro anos.

“Essa ansiedade toda indica que as pessoas estão se sentindo muito pressionadas por fatores econômicos, sociais e políticos e não estão sabendo como reagir a esse sentimento”, afirma o psicólogo Ilan Segre, de São Paulo, autor do livro Terapia Integrativa (Editora Ágora).

Ele comenta que a pandemia gerou, além do medo, da insegurança, das incertezas e das mortes de familiares e amigos, a perda de empregos e poder aquisitivo, complicando muito a vida de uma parcela significativa da população.

“Tudo isso deixou as pessoas num estado de hipervigilância, um estado permanente de alerta, angústia. E essa sensação de ameaça gera ansiedade. É um cenário global, de caráter social e coletivo, no qual estamos todos imersos”, afirma.

A partir dessa situação geral, cada um, individualmente, vai achar (ou não) soluções e encaminhamentos possíveis para lidar com tudo isso. “As consequências, para muita gente, são estados de desequilíbrio físico e mental.”

Ilan explica que a ansiedade é um mal-estar físico e psíquico percebido como uma angústia, que gera sensações de aflição, de agonia e pode apresentar sintomas físicos. Ele aponta, a seguir, algumas sensações bastante comuns nas pessoas que estão passando por um período de ansiedade.

Agitação constante: a pessoa não consegue desligar.

Movimentação excessiva de pernas ou braços, às vezes com aumento da temperatura corporal e sudorese.

Preocupação em relação a si mesma ou com pessoas queridas (família, amigos) Medo de que algo ruim vá ocorrer.

Incapacidade de relaxar, que pode se manifestar como insônia (ou acordar antes da hora e demorar a pegar no sono ou não conseguir mais dormir).

Necessidade de estar sempre conectado: nas redes sociais ou assistindo a TV, vídeos.

Dificuldade de atenção, hoje chamado de TDAH — Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade, que é agravado pela ansiedade e por insônia: a pessoa não consegue ler um livro, ver um filme inteiro, se concentrar no trabalho ou na aula.

Fadiga como consequência de insônia, de estados de agitação física e mental constantes. A pessoa se sente esgotada, cansada, sem energia. Tem dor de cabeça, no pescoço, na parte alta dos ombros: fica incapaz de relaxar. Está exausta, mas não consegue descansar nem dormir. E isso causa irritabilidade. A irritação constante e impaciência também são expressões de estados ansiosos.

Quando procurar ajuda?

“Se você tiver qualquer um desses sintomas de modo persistente por pelo menos duas semanas já dá para considerar que está vivendo um período de ansiedade”, diz Ilan.

Ele lembra que, na natureza, os animais ficam muito ansiosos quando são perseguidos. Mas, passado o perigo, eles voltam rapidamente a um estado de equilíbrio.

“Nós, humanos, temos temos dificuldade de desconectar daquilo que gera ansiedade: seja um pensamento, uma ideia ou algo que de fato está acontecendo. E, se esse estado de desequilíbrio perdura por um longo período, acaba causando problemas físicos (gastrite, dor de cabeça, enxaqueca, síndrome do intestino irritável, diarreia) e mentais (medo profundo, insônia, incapacidade de concentração e as questões que citamos acima).

O acompanhamento com psicólogo ou terapeuta pode ajudar na identificação dos possíveis gatilhos da ansiedade e no desenvolvimento de estratégias para lidar com a situação.

“Exercícios físicos, especialmente os aeróbicos, ajudam muito a aliviar estados ansiosos e melhoram a qualidade do sono”, afirma Ilan. Vários estudos também comprovam os benefícios da ioga, da meditação, dos exercícios respiratórios e do contato com a natureza para reduzir a ansiedade.

“Parece que o mundo tem sido experienciado como um grande fator ansiogênico: as pressões de trabalho, os papéis sociais e as diversas atividades que temos que cumprir muitas vezes são percebidas como um grande peso, que nos sentimos incapazes de carregar”, explica. Mas podemos adotar estratégias que ajudam a reduzir a ansiedade:

incluir na rotina caminhadas ao ar livre, de preferência em parques, no campo ou na praia, onde não precisamos ficar hipervigilantes em relação a atropelamentos, roubos e outros tipos de intercorrências;

sempre que possível, sair da cena urbana e se conectar com a natureza (pisar na areia, na grama, na terra);

ter plantas em casa, fazer jardinagem;

procurar contato com animais: a conexão com os pets acalma a mente;

diminuir o tempo de tela (do celular, do computador) e aumentar o contato com a família e os amigos, ou seja, trocar a conexão digital pela pessoal.

Por Angélica Banhara

Publicado na Folha de São Paulo

 



TRATAMENTO DA DEPRESSÃO - II

 

Bactérias intestinais estão associadas à depressão, segundo estudo


Bactérias do intestino estão associadas à depressão, mostra estudo

Cientistas querem entender como microrganismos que vivem no corpo humano influenciam a saúde mental

Najaf Amin passou dois anos recebendo cocô por correio. A professora e pesquisadora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, junto com o seu grupo de pesquisa, analisou o material enviado por mais de duas mil pessoas e concluiu que existem bactérias no nosso corpo que podem estar associadas ao desenvolvimento da depressão.

Os cientistas usam os excrementos para inferir quais microrganismos estão presentes no nosso intestino. Como a flora intestinal é consequência direta da alimentação, microbiologistas e psiquiatras concordam que uma dieta saudável é ponto-chave no cuidado com a saúde mental. Os resultados do estudo foram publicados na revista científica Nature, em dezembro de 2022.

Já existiam muitos indícios de que a flora intestinal poderia afetar a nossa saúde mental. Doenças como Alzheimer, autismo e Parkinson são algumas das quais podem ser associadas com as bactérias do interior do nosso corpo. Para a depressão, entretanto, havia apenas estudos, com grupos pequenos de participantes, que levavam a resultados desencontrados. Foi então que professora Amin resolveu jogar uma luz na questão.

Na primeira fase da pesquisa, amostras de fezes de mais de mil holandeses foram analisadas para identificar os microrganismos presentes. Além de coletar e enviar o material pelos correios, os voluntários preencheram questionários para avaliar a presença de sintomas clássicos de depressão. Depois foram feitas correlações entre as bactérias encontradas e as pessoas com maior tendência a desenvolver um quadro depressivo.

A pesquisa, então, foi repetida em um segundo grupo de participantes, de diferentes nacionalidades. Os novos resultados, quando comparados com os primeiros, coincidiram em muitos pontos. André Uitterlinden, coautor do estudo e docente da Universidade Erasmus de Roterdã, nos Países Baixos, afirma que "há replicação de uma observação original, e isso é uma coisa que nós normalmente não vemos em um artigo científico".

Segundo o professor, a robustez do trabalho oferece evidências sólidas da relação entre a microbiota e a saúde mental. No total, os pesquisadores identificaram 16 gêneros de bactérias associados com a depressão, mas para eles esse ainda é apenas o primeiro passo.

A depressão é um problema de saúde de causas complexas, e os autores consideram que são necessários estudos longitudinais, ou seja, realizados ao longo do tempo, e com ainda mais participantes para definir de vez sua associação com a flora intestinal.

Robert Kraaij, também é coautor do trabalho, ressalta que a relação entre os microrganismos do intestino e depressão pode se dar em duas direções. Tanto o comportamento depressivo pode acarretar em má alimentação, causando desequilíbrio desse ecossistema, quanto essa disbiose pode interferir no funcionamento do cérebro. Segundo eles, hoje o segundo aspecto interessa mais aos cientistas.

Existem três caminhos principais por meio dos quais esse conjunto de seres vivos pode influenciar a mente. Em primeiro lugar, quando há desbalanço da microbiota pode haver produção de citocinas que afetam o funcionamento do sistema imune. Outra via é através da produção direta, por ela, de substâncias que atuam como sinalizadores para o cérebro, como o GABA ou similares da epinefrina.

Mas conforme afirma Leandro Lobo, microbiologista e pesquisador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), tem chamado atenção o mecanismo de ação direta da flora intestinal. Experimentos de laboratório mostram que, no processo de ajudar na digestão dos nossos alimentos, a flora intestinal produz moléculas que caem na corrente sanguínea. Algumas delas estão envolvidas em funções de expressão e transcrição dos nossos próprios genes.

A professora Amin acredita que a dieta pode se tornar, no futuro, a linha de frente no combate a quadros depressivos. Em comparação com o uso de medicamentos, a mudança da alimentação é barata e não tem efeitos colaterais. Além disso, traz benefícios para outros aspectos da nossa vida, como a saúde cardiovascular.

Em segundo lugar, a pesquisadora vê o desenvolvimento de probióticos como uma consequência direta de pesquisas como a sua. Para isso, entretanto, ela reconhece que ainda é preciso avançar muito. É necessário identificar com precisão as cepas de bactérias benéficas antes de pensar em um produto para suplementar a dieta. Trabalhos atuais, como o seu, chega apenas até o gênero dos microrganismos.

Segundo Adiel Rios, psiquiatra e pesquisador voluntário do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), está se tornando comum que psiquiatras peçam o acompanhamento nutricional de alguns pacientes.

O especialista reforça a necessidade de dieta balanceada e personalizada, e acredita que mais pesquisas com evidências sólidas podem embasar futuras políticas públicas de dieta e nutrição voltadas para a saúde mental.

O estudo dos tratamentos complementares que envolvam fatores dietéticos capazes de diminuir os sintomas de transtornos mentais é feito pela psiquiatria nutricional, um campo ainda emergente no país. Rios, que atua na área, está trabalhando em ensaios clínicos para avaliar efeitos antidepressivos de probióticos em pacientes bipolares.

Ele afirma que o desenvolvimento bem-sucedido representaria uma nova estratégia para prevenir e tratar transtornos graves baseados na modulação da microbiota. Mas até chegar lá, os especialistas concordam que uma dieta balanceada e individual é o melhor caminho para manter a saúde do corpo e da mente em dia.

Trabalho de Acácio Raphael

Folha de São Paulo 



PENITENCIONANDO-SE: UMA ABORDAGEM CIENTÍFICA

 


Algumas pessoas usam a frase “sinto muito” várias vezes ao dia. Elas pedem desculpas pelo tempo, pelo seu gato doente e por outros pequenos desafios fora do controle de qualquer um.

Esses “pedidores crônicos de desculpas” costumam ser instruídos a quebrar o hábito de dizer “sinto muito”. Mas eles deveriam? Alguém pode realmente se desculpar demais?

Evidências científicas sugerem que você nunca deveria pedir desculpas por pedir desculpas.

Em um estudo incomum, os pesquisadores testaram o efeito do pedido de desculpas desnecessário. Um homem abordou dezenas de estranhos que esperavam em uma estação de trem em um dia chuvoso e pediu seus celulares emprestados.

A maioria das pessoas – 91% – recusou. Mas quando tentou uma tática diferente, primeiro se desculpando pelo tempo chuvoso, teve mais sucesso. “Sinto muito pela chuva!”, ele disse. " Posso pegar seu celular emprestado?”

Quase metade dos estranhos a quem o homem se desculpou entregou o telefone. As descobertas, de pesquisadores da Harvard Business School e da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, podem surpreender aqueles que consideram os “pedidores de desculpas crônicos” irritantes e seus mea-culpas desnecessários.

O estudo da estação de trem, juntamente com outras pesquisas sobre comportamento humano e psicologia, sugere que o ato de dizer “me desculpe”, em uma variedade de circunstâncias, é uma maneira eficaz de mostrar empatia pelos outros.

“Realmente não há nenhum pesquisador de desculpas que jamais dirá a você que pedir desculpas é ruim”, disse Alison Wood Brooks, professora associada da Harvard Business School e principal autora do estudo. “Simplesmente não há evidências de que nenhum pedido de desculpas seja melhor do que pelo menos um.”

Pedir desculpas para expressar arrependimento pelo mau tempo, tráfego frustrante ou dizer: “Sinto muito, você não está se sentindo bem” podem ser recursos úteis em conversas. Especialistas dizem que as pessoas apreciam quando alguém reconhece seus problemas.

Como estudante de doutorado em 2013, Brooks foi o pesquisador principal em quatro estudos sobre desculpas supérfluas, incluindo o estudo do trem, e descobriu que esse tipo de pedido de desculpas pode criar um senso de confiança.

“Um pedido de desculpas supérfluo não é sobre culpa”, disse Brooks. “É um reconhecimento do sofrimento de outra pessoa, essencialmente, mesmo que seja incrivelmente pequeno.”

Essas desculpas supérfluas podem parecer um “tique ansioso” – como iniciar uma conversa com “oh, desculpe incomodar” –, mas essa pequena tentativa de reconhecer a situação de outra pessoa tem seus benefícios, dizem os pesquisadores.

“O erro muito, muito mais comum é não se desculpar o suficiente e não o de se desculpar demais”, disse Brooks.

Algumas pessoas usam a frase “sinto muito” várias vezes ao dia. Elas pedem desculpas pelo tempo, pelo seu gato doente e por outros pequenos desafios fora do controle de qualquer um.

Esses “pedidores crônicos de desculpas” costumam ser instruídos a quebrar o hábito de dizer “sinto muito”. Mas eles deveriam? Alguém pode realmente se desculpar demais?

Evidências científicas sugerem que você nunca deveria pedir desculpas por pedir desculpas.

Em um estudo incomum, os pesquisadores testaram o efeito do pedido de desculpas desnecessário. Um homem abordou dezenas de estranhos que esperavam em uma estação de trem em um dia chuvoso e pediu seus celulares emprestados.

A maioria das pessoas – 91% – recusou. Mas quando tentou uma tática diferente, primeiro se desculpando pelo tempo chuvoso, teve mais sucesso. “Sinto muito pela chuva!”, ele disse. " Posso pegar seu celular emprestado?”

Quase metade dos estranhos a quem o homem se desculpou entregou o telefone. As descobertas, de pesquisadores da Harvard Business School e da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, podem surpreender aqueles que consideram os “pedidores de desculpas crônicos” irritantes e seus mea-culpas desnecessários.

O estudo da estação de trem, juntamente com outras pesquisas sobre comportamento humano e psicologia, sugere que o ato de dizer “me desculpe”, em uma variedade de circunstâncias, é uma maneira eficaz de mostrar empatia pelos outros.

“Realmente não há nenhum pesquisador de desculpas que jamais dirá a você que pedir desculpas é ruim”, disse Alison Wood Brooks, professora associada da Harvard Business School e principal autora do estudo. “Simplesmente não há evidências de que nenhum pedido de desculpas seja melhor do que pelo menos um.”

Pedir desculpas para expressar arrependimento pelo mau tempo, tráfego frustrante ou dizer: “Sinto muito, você não está se sentindo bem” podem ser recursos úteis em conversas. Especialistas dizem que as pessoas apreciam quando alguém reconhece seus problemas.

Como estudante de doutorado em 2013, Brooks foi o pesquisador principal em quatro estudos sobre desculpas supérfluas, incluindo o estudo do trem, e descobriu que esse tipo de pedido de desculpas pode criar um senso de confiança.

“Um pedido de desculpas supérfluo não é sobre culpa”, disse Brooks. “É um reconhecimento do sofrimento de outra pessoa, essencialmente, mesmo que seja incrivelmente pequeno.”

Essas desculpas supérfluas podem parecer um “tique ansioso” – como iniciar uma conversa com “oh, desculpe incomodar” –, mas essa pequena tentativa de reconhecer a situação de outra pessoa tem seus benefícios, dizem os pesquisadores.

“O erro muito, muito mais comum é não se desculpar o suficiente e não o de se desculpar demais”, disse Brooks.

“O erro muito, muito mais comum é não se desculpar o suficiente e não o de se desculpar demais”, diz pesquisador. 

Mulheres se desculpam mais que os homens?

Karina Schumann, professora associada de Psicologia da Universidade de Pittsburgh, disse que, em sua pesquisa, as mulheres se desculpam um pouco mais do que os homens em média.

Mas provavelmente porque as mulheres são mais propensas a perceber que um determinado comportamento pode ser ofensivo e, portanto, mais merecedor de um pedido de desculpas. A diferença de gênero percebida “não é tão grande quanto as pessoas pensam que é”, disse Karina. E não está claro que as mulheres sofram quaisquer consequências por pedirem desculpas regularmente.

“Os homens pedem desculpas com a mesma frequência que as mulheres quando percebem que fizeram algo errado”, disse a professora. “Uma vez que sua mente percebe que foi uma ofensa, eles estão dispostos igualmente dispostos a pedir desculpa.”

As pessoas têm entendimentos diferentes – ou “bases de referência” – de quando é apropriado se desculpar com outra pessoa, disse ela.

Em um estudo, Karina e outros escreveram que pessoas menos narcisistas e com mais empatia têm maior probabilidade de se desculpar. Aqueles que se desculpam com mais frequência são vistos pelos outros como amigáveis e morais, em comparação com aqueles que não o fazem.

“As desculpas são incrivelmente eficazes na maioria das vezes”, disse Karina Schumann. “Elas são realmente necessárias na maioria dos nossos relacionamentos para suavizar as ofensas cotidianas e, em seguida, ajudar a reparar as ofensas maiores.”

Ainda assim, nem todo “sinto muito” é um pedido de desculpas, disse Deborah Tannen, professora de linguística da Universidade de Georgetown. Uma pessoa pode dizer “sinto muito”, mas não como uma admissão de culpa. Eles estão apenas dizendo “sinto muito pelo que aconteceu”, disse Deborah, que escreveu um livro sobre a desconexão nos estilos de conversação entre homens e mulheres no trabalho.

“Muitas vezes é apenas um ritual automático”, disse Deborah. “Você pode chamar isso de lubrificante social. E a linguagem está cheia disso.”

Alguém pode se desculpar demais?

Algumas pessoas acreditam que há desvantagens em se desculpar. Anos atrás, a Pantene, marca americana de produtos para o cabelo, lançou uma campanha de marketing intitulada “Sorry, Not Sorry” para pedir às mulheres que se desculpem menos no trabalho ou em casa.

Karina Schumann disse que uma pessoa que se desculpa com frequência pode ser vista como menos assertiva ou menos poderosa. Mas pode ser porque algumas pessoas são ruins em se desculpar de forma eficaz. “Desculpar-se levianamente”, sem realmente ter a intenção, pode levar as pessoas a começarem a ignorar suas “desculpas”, disse ela.

Maurice Schweitzer, professor da Wharton School, afirma que não há pesquisas suficientes para determinar se alguém pode se desculpar com muita frequência, mas ele acredita que pedir desculpas demais pode sinalizar que alguém não tem confiança porque você está pedindo mais feedback.


 

 


22_09

FENÔMENOS MEDIÚNICOS

 


Palestrante: Anete Guimarães



A mediunidade vista por alguns pioneiros da área mental

As vivências tidas como mediúnicas são descritas na maioria das civilizações e têm um grande impacto sobre a sociedade. Apesar de ser um tema pouco estudado atualmente, já foi objeto de intensas investigações por alguns dos fundadores da moderna psicologia e psiquiatria. Foi revisado o material produzido por Janet, James, Myers, Freud e Jung a respeito da mediunidade, com ênfase em dois aspectos: suas causas e relações com psicopatologia. Esses pesquisadores chegaram a três conclusões distintas. Janet e Freud associaram mediunidade com psicopatologia e a uma origem exclusiva no inconsciente pessoal. Jung e James aceitavam a possibilidade de um caráter não-patológico e uma origem no inconsciente pessoal, mas sem excluírem em definitivo a real atuação de um espírito desencarnado. Por fim, Myers associou a mediunidade a um desenvolvimento superior da personalidade e tendo como causa um misto entre o inconsciente, a telepatia e ação de espíritos desencarnados. Como conclusão, é apontada a necessidade de se conhecer os estudos já realizados para dar continuidade nessas investigações em busca de um paradigma realmente científico sobre a mediunidade.

Introdução

Uma das definições possíveis de mediunidade é "a comunicação provinda de uma fonte que é considerada existir em um outro nível ou dimensão além da realidade física conhecida e que também não proviria da mente normal do médium" (Klimo, 1998). Tal definição parece-nos adequada para a investigação científica, pois é neutra quanto às reais origens de tais vivências, apenas requerendo que aqueles que as vivenciem sintam que a origem é de alguma fonte externa. As vivências tidas como mediúnicas têm sido identificadas na maior parte das sociedades ao longo da história e possuem uma enorme influência sobre aqueles que as vivenciam direta ou indiretamente. Foram extremamente importantes no surgimento das principais religiões do Oriente Próximo e Ocidente: Moisés e os profetas hebreus recebendo mensagens de Jeová ou dos anjos (Ex 19 e 20; Jz 13:3; IIRs 1:3; Jl 2:28; ISam 28), a conversão de Paulo às portas de Damasco (At 9:1-7) e os dons do Espírito Santo dos primeiros cristãos (At 2:1-18; 19:6; ICor 12:1-11 e 14), bem como Maomé recebendo os ditados do anjo Gabriel que compõem o Corão. O tema torna-se ainda mais relevante no Brasil, onde possuímos diversas religiões que enfatizam os transes: espíritas, afro-brasileiros, evangélicos pentecostais e católicos carismáticos. Além do valor cognitivo de se estudar e compreender melhor essa milenar vivência dissociativa, deve-se ressaltar as implicações clínicas. Faz-se mister a realização de um adequado diagnóstico diferencial dessas vivências consideradas mediúnicas, buscando distinguir quando se tratam de uma vivência religiosa não-patológica das situações em que são manifestações de psicopatologia dissociativa ou psicótica.

Apesar de tamanho impacto exercido sobre a humanidade, a mediunidade tem sido praticamente ignorada pelos pesquisadores da área de saúde mental. Entretanto, nem sempre foi assim. No surgimento da moderna psiquiatria e psicologia, na transição entre os séculos XIX e XX, diversos pioneiros estudaram detidamente a mediunidade. Infelizmente, tais trabalhos permanecem largamente desconhecidos. Com o intuito de resgatar tais pesquisas, o presente artigo fará uma breve revisão dos principais fundadores da psiquiatria e psicologia que pesquisaram o tema. Para tanto, discutiremos Pierre Janet, William James, Frederic Myers, Jung e Freud. Destes, apenas Freud não investigou detidamente o assunto, mas, devido à importância do autor, julgamos útil apresentar também suas reflexões. As duas questões principais que receberão maior destaque são: causas da mediunidade e sua relação com psicopatologia.

Pierre Janet (1859-1947)

Janet, que teve formação em psicologia e psiquiatria, apesar de pouco conhecido atualmente, é amplamente reconhecido como o fundador das modernas visões sobre dissociação (Colp, 2000; Putnam e Lowenstein, 2000; Rieber, 2002). Seu trabalho mais importante intitula-se "L'Automatisme Psychologique", uma tese defendida em 1889 na Sorbonne (Janet, 1889). Esta obra pode ser considerada como a primeira abordagem científica do inconsciente, trazendo os principais elementos sobre os quais se ergueria posteriormente a psiquiatria dinâmica (Faure, 1973).

É de se notar a relevância que a investigação de diversos tipos de experiências mediúnicas teve nesses esforços iniciais de se entender o inconsciente e a dissociação. O estudo da mediunidade e do espiritismo ocupa quase todo o capítulo destinado ao estudo das "desagregações psicológicas", pois buscou perscrutá-las a partir de sujeitos que as apresentavam em seu mais alto grau (médiuns). Apesar de considerar o espiritismo "uma das mais curiosas superstições de nossa época", afirmou ser este o precursor da psicologia experimental, assim como a astronomia e a química começaram através da astrologia e da alquimia. Janet defendia a importância de se estudar a mediunidade, pois nos permite "observações psicológicas muito interessantes e refinadas que são longe de inúteis para os observadores de nossos dias" (Janet, 1889, p. 357-8; 1914, p. 394-5).

O mesmo mecanismo psicológico é proposto para a explicação "desde os mais insignificantes atos subconscientes até as mais terríveis possessões" (p. 415-6). Janet (1889) propõe a existência de uma "segunda consciência" que persiste subjacente à corrente normal de pensamentos. Quando a personalidade humana perde sua coesão, uma parcela dela mesma pode desprender-se do conjunto e dar origem a diversos automatismos motores e sensoriais. Ou seja, fenômenos tão diversos quanto as anestesias, catalepsias, sonambulismo, escritas automáticas, alucinações, possessões seriam todas formas de "desagregação psíquica", manifestações de uma corrente secundária de pensamentos, vontades e imagens que se sobrepõe ao campo habitual de consciência. A idéia espírita de uma possessão por uma força exterior é substituída "pela possessão de si mesmo por uma parte de si mesmo: o inconsciente intrapsíquico" (Faure, 1973). Janet negava qualquer origem paranormal para esses fenômenos.

O médium seria "quase sempre um nevropata, quando não francamente histérico", e a faculdade mediúnica dependeria de um estado mórbido particular que poderia originar a histeria e a alienação. A mediunidade seria um sintoma e não uma causa de psicopatologia (Janet, 1889, p. 382-3). Contudo, em 1909, Janet publicou um caso de "delírio decorrente de práticas espíritas" (Janet, 1909). Para Rieber (2002), a maior limitação do trabalho de Janet seria considerar a dissociação sempre como um processo patológico, não percebendo que ela pode estar envolvida em comportamentos criativos saudáveis.

Por fim, compartilhamos com Fauce (1973) e com Rieber (2002) a perplexidade e dificuldade de compreender por que um autor tão importante quanto Janet tem sido relegado a tamanho esquecimento.

William James (1842-1910)

James, além de ter sido um eminente filósofo pragmatista, fundou, na Universidade de Harvard, o primeiro laboratório americano de psicologia. Em um levantamento feito entre os chefes dos departamentos de psicologia do Reino Unido, ao lado de Freud, Piaget, Pavlov e Skinner, foi considerado um dos cinco psicólogos mais importantes de todos os tempos (Newstead, 1983).

Entre as diversas áreas de investigação a que se dedicou está a religião (que resultou em seu famoso livro "As variedades da experiência religiosa") e a então chamada psychical research (pesquisa psíquica). Apesar de menos conhecido, este último foi um importante ramo de pesquisa pelo menos nos seus últimos 30 anos de vida. James manteve estreito contato com a Society for Psychical Research (SPR) de Londres, tendo sido seu presidente entre 1894-5. Defendeu um "empirismo radical", em que um verdadeiro pesquisador, mesmo perante fenômenos considerados absurdos e inabordáveis, precisa enfrentá-los, pensá-los e correlacioná-los. Pelo seu prestígio intelectual, James trouxe uma certa respeitabilidade à pesquisa psíquica (Murphy, 1960, p. 327-8). Sempre criticou o preconceito científico que se recusava a estudar seriamente tais fenômenos. Lamentava o paradoxo no qual os indivíduos mais capacitados para investigarem o tema (os cientistas) se recusavam, enquanto aqueles que vivenciam os fenômenos adotam uma postura de aceitação ingênua e irrefletida. "O resultado é que não há nenhuma colaboração entre aqueles que mais bem conhecem os fatos e aqueles mais competentes para discuti-los" (James, 1901, p. 220-1).

A investigação da mediunidade recebeu especial destaque, tendo realizado, por mais de duas décadas, pesquisas com uma das mais renomadas médiuns do século XIX, Leonore Piper (James, 1886, p. 95; 1890, p. 102.). Em 1909, publicou um substancioso relato da suposta manifestação mediúnica de um falecido pesquisador psíquico (Richard Hodson) através da médium (James, 1909, p. 115).

Considerava a possessão mediúnica uma forma natural e especial de personalidade alternativa em pessoas muitas vezes sem nenhum outro sinal óbvio de problemas mentais. Também dizia que a predisposição para tais vivências não seria algo incomum (James, 1890, p. 48). O autor asseverava que a investigação do transe mediúnico é uma tarefa árdua, pois seria um fenômeno excessivamente complexo em que muitos fatores concomitantes estariam envolvidos (James, 1909a). Entre as possíveis explicações para os fenômenos mediúnicos estariam a fraude, a dissociação com uma tendência a personificar uma outra personalidade e a influência de um espírito desencarnado (James 1909a). Os médiuns em transe forneciam diversas informações verídicas sobre os assistentes. Entre as hipóteses para o modo de obtenção destas informações objetivas dadas pelos médiuns estariam:

• Acertos casuais;

• Informações previamente obtidas pelo médium;

• Pistas fornecidas involuntariamente pelos assistentes;

• Criptomnésia (o médium teve acesso prévio à informação, mas não se lembra conscientemente dela, no entanto, é capaz de acessá-la em estado de transe);

• Telepatia: informação obtida da mente dos assistentes de um modo desconhecido;

• Acesso a algum "reservatório cósmico", onde a memória de todos os fatos é armazenada;

• Real comunicação do espírito que sobreviveu à sua morte (James, 1909).

Para James, as três últimas hipóteses só deveriam ser consideradas após as quatro primeiras tivessem sido excluídas, pois estas seriam as explicações "naturais". Ele considera que elas explicam a grande maioria das manifestações mediúnicas, mas que existe uma considerável parcela que tem uma origem não explicável pelas hipóteses habituais. Nesses casos, a telepatia e a real comunicação de um espírito desencarnado devem ser cogitadas como causas. Julgava que a telepatia já estava "amplamente estabelecida como um fato, embora sua freqüência seja ainda questionável" e que não haveria razões para, a priori, rejeitar que espíritos possam cooperar na produção do fenômeno (James, 1890a). Apesar de algumas vezes considerar que a atuação de um espírito desencarnado possa ser a explicação mais razoável em certos casos (James, 1890a), James nunca deu por resolvida tal questão. No seu último relato publicado, um ano antes de sua morte, em que expõe suas impressões finais, ele defende que os fenômenos psíquicos eram fatos naturais ainda ignorados pela ciência ortodoxa, apesar de muito promissores:

"Os fatos chamados psíquicos apenas começaram a ser tocados e investigados com propósitos científicos. Eu estou persuadido que é através da investigação destes fatos que as maiores conquistas científicas da próxima geração serão alcançadas" (James, 1909a).

Frederic W. H. Myers (1843-1901)

Myers não teve formação em psicologia, mas em literatura clássica, tornando-se professor de cultura clássica na Universidade de Cambridge. Apesar disso, apresentou diversas contribuições à psicologia. Foi, em 1893, o primeiro autor a introduzir os trabalhos de Freud ao público britânico (Mishlove, 2001). Sua maior colaboração diz respeito à investigação do inconsciente, que ele denominou de Self subliminal. Nas palavras de seu amigo e colega de pesquisas W. James (1901):

"No ultimo meio século, psicólogos têm admitido a existência de uma região mental subliminal sob o nome de cerebração inconsciente ou vida involuntária. Entretanto, nunca tinha sido definitivamente investigada a extensão dessa região, nem explicitamente mapeada. Myers definitivamente abordou este problema, que, após ele, será impossível ignorar".

Em 1882, ao lado de outros pesquisadores de Cambridge, fundou a SPR, cujo objetivo era obter informações sobre telepatia, hipnotismo, assombrações e alucinações. Em suas pesquisas nesta área, notadamente com médiuns, desenvolveu todo o seu trabalho e corpo teórico sobre o Self subliminal. Sua última e principal obra foi deixada incompleta devido ao seu falecimento em 1901 e foi publicada postumamente em 1903, com o nome Human Personality and Its Survival of Bodily Death (Myers, 2001). Tanto sua participação na fundação da SPR quanto a publicação deste livro são citados como marcos na história da psicologia britânica pela British Psychological Society (2003).

Myers afirmava que o "Self consciente" (ou o Self supraliminal, como ele preferia) não representava toda a mente. Existiria "uma consciência mais abrangente, mais profunda, cujo potencial permanece em sua maior parte latente". Utilizou a palavra subliminal para designar "tudo que ocorre sob o limiar ordinário, fora da consciência habitual". Haveria continuamente toda uma vida psíquica com pensamentos, sensações e emoções que "raramente emerge na corrente supraliminal da consciência, com a qual nós habitualmente nos identificamos". Pelo fato de essa vida psíquica oculta ter características que normalmente associamos com a vida consciente, com o que normalmente chamamos de Self, julgou conveniente falar de um Self subliminal. Mas isso não significa que haveria dois selves paralelos sempre existindo dentro de nós. Haveria apenas um Self, com uma pequena porção consciente (supraliminal) e grande parte inconsciente (subliminal) (Myers, 2001, p. 6-7).

Os conteúdos subliminais que atingem a consciência supraliminal freqüentemente são qualitativamente diferentes de qualquer elemento de nossa vida supraliminal, inclusive faculdades das quais não há conhecimento prévio. Tais habilidades envolveriam uma grande ampliação de nossas faculdades mentais, incluindo as inspirações dos gênios, telepatia, clarividência e mesmo a comunicação com os mortos. Ao longo da obra, o autor vai passando gradualmente de fenômenos corriqueiros para aqueles considerados supranormais. Dessa forma, o Self subliminal é implicado, numa visão evolutiva, na causa de eventos como as enfermidades histeroconversivas, inspirações dos gênios, sono, hipnotismo, alucinações, telepatia, automatismos motores e transes de possessão.

Myers sustenta que os fenômenos histéricos de desagregação da personalidade, apesar de patológicos, são de extrema importância para a compreensão do funcionamento psíquico humano e dos potenciais ainda ocultos da mente humana. Poderiam apontar para formas mais desenvolvidas de atividade mental: cada forma de dissociação das funções psíquicas sugeriria uma possibilidade correspondente de integração (Myers, 2001, p. 15; 47).

Coligindo um impressionante manancial de casos descritos e analisados, busca dar sustentação empírica a cada uma de suas afirmações. O autor enfatiza diversas vezes que evitou deliberadamente fazer teologia, metafísica ou filosofia. Dizia-se vivamente impressionado pelo paradoxo de os métodos da ciência moderna nunca terem sido aplicados ao problema que inquieta mais profundamente o homem: "Se a personalidade tem ou não algum elemento que possa sobreviver à morte corporal" (Myers, 2001, p. 1). Ele buscou derrubar o muro artificial entre a ciência e a superstição. Criticou a atitude de reverenciar como sagrados ou de descartar, a priori, como equívocos, os fenômenos estranhos, anômalos e que não se encaixam nas teorias vigentes. Tais fenômenos deveriam ser encarados como um desafio para se buscar as leis naturais que regem seu funcionamento (Myers, 2001, p. 343).

Em suas pesquisas sobre mediunidade, observou que a maioria das manifestações consideradas mediúnicas seria oriunda da emergência de conteúdos do Self subliminal do próprio médium. Nas inúmeras vezes em que o sensitivo evidenciava conhecimentos não passíveis de terem sido adquiridos pelas vias normais, teriam sido obtidos por telepatia ou clarividência (Myers, 2001, p. 11). Considerava haver evidências contundentes da capacidade de comunicação telepática entre indivíduos encarnados. Essa possibilidade de influência a distância entre duas mentes encarnadas abriria também, pelo menos em tese, a possibilidade de influência a partir de uma possível mente desencarnada (Myers, 2001, p. 343). Ao final de suas investigações, Myers concluiu que "a evidência para a comunicação com os espíritos de pessoas falecidas através dos transes ou escritos de sensitivos aparentemente controlados por estes espíritos está estabelecida além da possibilidade de um ataque sério" (Myers, 2001, p. 12). Durante seus trabalhos, investigou diversos médiuns, incluindo Mrs. Piper.

Em resumo, Myers considerou que a maioria das manifestações mediúnicas era oriunda do próprio médium, mas que havia alguns casos em que esta explicação não era suficiente. Em tais casos, a hipótese mais plausível era a telepatia e a efetiva comunicação de uma mente já desencarnada. As investigações nessa área envolveriam uma grande complexidade, pois uma mesma comunicação mediúnica pode conter alguns elementos da mente do médium e outros obtidos telepaticamente, tanto de encarnados como do espírito desencarnado comunicante (Myers, 2001, p. 337). Ponderou que a utilização de sua teoria do Self subliminal (incluindo o inconsciente pessoal, a telepatia e a comunicação com os mortos), longe de negar os avanços já realizados pela psicologia, viria ampliá-los. Tal formulação teórica seria um poderoso instrumento para coordenar e explicar uma vasta gama de fenômenos que de outra forma seriam vistos como absurdos ou anômalos (Myers, 2001, p. 292). Por fim, defendeu a continuação das investigações por muitas gerações através de um único modo: "métodos abertos, honestos e francos que o moderno espírito científico exige" (Myers, 2001, p. 346).

No ano da publicação desta obra, James (1903) publicou uma ampla revisão comentando-a. Enfatizou a qualidade científica do trabalho, qualificando-o "ao menos como uma obra-prima de coordenação e unificação" de uma vasta gama de fenômenos aparentemente desconectados, demonstrando "uma genialidade similar à de Charles Darwin". Pondera que o autor oferece evidências empíricas para a existência concreta de cada elemento de seu esquema teórico. Por fim, James aponta algumas fragilidades da obra: a utilização em algumas passagens de um tom excessivamente poético, algumas das evidências que embasam sua teoria são ainda frágeis e que pode ter generalizado excessivamente a existência e abrangência do Self subliminal.

"Myers proveu a psicologia com um novo problema a exploração da região subliminal, que, de agora em diante, deve figurar naquele ramo do conhecimento como 'o problema de Myers' (...)

Qualquer um com um senso de evidência, um senso não embotado pelo sectarismo da 'ciência', deve agora, me parece, perceber que sensibilidades ampliadas, transes com faculdades supranormais e mesmo transferências experimentais de pensamento são tipos de fenômenos naturais que devem, assim como qualquer outro evento natural, ser acompanhados com curiosidade científica".

Como curiosidade, vale a pena relatar que, após o falecimento de Myers, surgiram comunicações mediúnicas atribuídas a ele, nas quais buscaria dar novas evidências da sobrevivência do homem após a morte física. Essas manifestações deram origem a um novo tipo de método, que é considerado pelos espiritualistas como um dos mais contundentes a favor da hipótese imortalista: as "correspondências cruzadas" (Smith, 2001). O nome provém do fato de que diferentes médiuns, sem contato normal entre si, de modo independente, comunicariam mensagens que, isoladamente careceriam de sentido, mas que, quando agrupadas, formariam um todo coerente. Essas comunicações foram interpretadas como evidências de um plano das inteligências desencarnadas que, alegadamente, coordenariam as comunicações (Stevenson, 1977).

Sigmund Freud (1856-1939)

Como afirma James Strachey, editor da Edição Standard das Obras Psicológicas de Sigmund Freud, "o interesse dele (Freud) pela feitiçaria, possessões e fenômenos afins já vinha de longa data. Parece possível que tenha sido estimulado por seus estudos na Salpêtrière em 1885-6.

O próprio Charcot concedera muita atenção aos aspectos históricos da neurose, fato mencionado em mais de um ponto do 'Relatório' de Freud sobre sua visita a Paris (1956a [1886]) (Nota do editor, neurose demoníaca)".

Entretanto, Freud não escreveu muito sobre mediunidade, freqüentemente, apenas de passagem quando abordava outros assuntos. Como ele próprio afirma, sua interpretação deste fenômeno foi muito influenciada por Charcot:

"Diversos autores, e dentre eles Charcot é o principal, identificaram, como sabemos, manifestações de histeria nos retratos de possessão e êxtase (...). Os estados de possessão correspondem às nossas neuroses, para cuja explicação mais uma vez recorremos aos poderes psíquicos. Aos nossos olhos, os demônios são desejos maus e repreensíveis, derivados de impulsos instintuais que foram repudiados e reprimidos. Nós simplesmente eliminamos a projeção dessas entidades mentais para o mundo externo, projeção esta que a Idade Média fazia; em vez disso, encaramo-las como tendo surgido na vida interna do paciente, onde têm sua morada" (Freud, 1923 introdução).

Ao explicar que sua teoria de que os sintomas histéricos adviriam de uma cisão da consciência não deveria gerar espanto, afirma que esta é a mesma solução que foi dada durante a Idade Média ao atribuírem à possessão demoníaca a causa dos sintomas histéricos. O que precisava ser feito era apenas "trocar a terminologia religiosa daquela era obscurantista e supersticiosa pela linguagem científica de nossos dias" (Freud, 1893).

Freud (1927) considerava que os espiritualistas não conseguiam refutar a hipótese de que as manifestações mediúnicas seriam simples produtos da atividade mental dos próprios médiuns. Seu ponto de vista baseava-se na observação de que a evocação dos espíritos dos mais eminentes pensadores trouxe pronunciamentos tão tolos e sem sentido "que neles nada se pode encontrar de crível, exceto a capacidade dos espíritos em se adaptarem ao círculo de pessoas que os conjuraram". Ou seja, Freud não identificou a existência de comunicações mediúnicas onde seriam manifestados conhecimentos ou habilidades além da capacidade dos médiuns.

Apesar de ser considerada como um vestígio de superstição e primitivismo, Freud adverte que a crença "nos espíritos e fantasmas, e no retorno dos mortos" ainda está longe de ter desaparecido entre a gente culta. "Mesmo o homem que se tornou céptico e racional pode descobrir, envergonhado, que sob o impacto da perplexidade e de emoções fortes facilmente volta por momentos a acreditar em espíritos". Ao final destas considerações, confessa, constrangido, que tal fato já ocorreu com ele mesmo (Freud, 1907).

Em 1921, comenta que o interesse pelos fenômenos conhecidos como "ocultos" havia se disseminado, o que atribui a uma tentativa de compensação "de criar noutra esfera, supermundana, as atrações perdidas pela vida sobre esta Terra" após a Primeira Guerra Mundial. Diz que, durante suas férias, recusou associar-se a três periódicos que estudavam esses temas. Manifesta preocupação com as possíveis implicações dessas pesquisas:

"Se os seres espirituais, que são os amigos íntimos dos indagadores humanos, podem fornecer explicações definitivas para tudo, nenhum interesse é capaz de sobrar para as laboriosas abordagens às forças mentais desconhecidas efetuadas pela pesquisa analítica.

Tanto assim, que os métodos da técnica analítica serão abandonados se houver uma esperança de entrar em contato direto com os espíritos operantes através de processos ocultos, tal como os hábitos do trabalho paciente e enfadonho são abandonados quando há a esperança de se ficar rico de um só golpe, mediante uma especulação bem-sucedida" (Freud, 1921).

Por outro lado, já em 1933, não mais sentia as dúvidas sobre a propriedade de discutir os fenômenos ocultos, afasta os temores, anteriormente expressos, de as perspectivas científicas da psicanálise poderem ser colocadas em perigo, caso a verdade da transmissão de pensamento viesse a ser estabelecida:

"Em minha opinião, não mostra grande confiança na ciência quem não pensa ser possível assimilar e utilizar tudo aquilo que talvez venha a se revelar verdadeiro nas assertivas dos ocultistas. E especialmente no que diz respeito à transmissão de pensamento, ela parece realmente favorecer a extensão do modo científico ou, como dizem nossos opositores, mecanicista de pensamento aos fenômenos mentais que são tão difíceis de apreender" (Freud, 1933).

Carl Gustav Jung (1875-1961)

O interesse de Jung pela mediunidade já se manifestou em sua dissertação publicada em 1902 para a obtenção do título de médico: "Sobre a Psicologia e a Patologia dos Fenômenos Chamados Ocultos" (Jung, 1994). Para realizá-la, Jung investigou entre 1899 e 1900, S. W., uma prima sua de 15 anos que era tida como médium, mas que ele concluiu tratar-se de uma histérica, um caso de "sonambulismo com carga hereditária".

Seguindo a linha de Janet (com quem Jung estudou por um semestre em 1902), considerou que o suposto espírito comunicante era, na realidade, uma personalidade subconsciente que se manifestaria através de uma série de automatismos como a escrita automática (que atualmente chamaríamos de psicografia) e as alucinações (Jung, 1994, p. 57). Haveria uma desagregação de complexos psíquicos que se manifestariam como individualidades, cuja existência depende de sugestões do ambiente e de certa predisposição do médium. A individualização da subconsciência teria enorme influência sugestiva sobre a formação de novos e posteriores automatismos. Como afirma o autor: "É desse modo que podemos considerar, em nosso caso, o surgimento das personalidades inconscientes" (Jung, 1994, p. 63).

Com a prática e desenvolvimento da capacidade dissociativa dos médiuns, maior vai sendo a "plasticidade das situações oníricas", trazendo cada vez mais complexidade e elaboração às manifestações mediúnicas, bem como ao conteúdo das histórias e teorias apresentadas pelas personalidades comunicantes. No caso de S. W., a ampliação de seus sistemas ocorria exclusivamente durante os transes; em seu estado normal era totalmente incapaz de dar qualquer nova idéia ou explicação (Jung, 1994, p. 76-7).

Com a prática das sessões mediúnicas, os "espíritos" se multiplicaram:

"A variedade de nomes parecia inesgotável, mas a diferença entre as respectivas personalidades cedo se esgotou e ficou patente que todas as personalidades podiam ser classificadas em dois tipos: o sério-religioso e o alegre-brincalhão. Na verdade, tratava-se apenas de duas personalidades subconscientemente diversas que se manifestavam com diferentes nomes que, no entanto, tinham pouca importância" (Jung, 1994, p. 81).

Apesar de numerosas, as personalidades subconscientes só evidenciavam conhecimentos que a paciente possuía no estado de vigília; nos casos em que isso não ocorria, se devia à criptomnésia1 (Jung, 1994, p. 82). Um outro fator que responde pelas capacidades exibidas pelos médiuns durante o transe é o chamado "aumento do rendimento inconsciente". Definido pelo autor como: "aquele processo automático cujo resultado não está ao alcance da atividade psíquica consciente do respectivo indivíduo" (Jung, 1994, p. 88-9). Nesses transes em que há uma manifestação importante do inconsciente, o paciente pode exibir uma inteligência mais aguçada, bem como ter acesso a informações não disponíveis na vigília (através da criptomnésia). A paciente em estudo apresentou um "aumento de rendimento que ultrapassa sua inteligência normal. (...) levando em conta a idade e mentalidade da paciente, deve ser considerado como algo fora do comum" (Jung, 1994, p. 95-6).

Sobre a causa básica do quadro em análise, Jung afirma:

"Não estaremos equivocados se procurarmos na sexualidade emergente a principal causa desse quadro clínico peculiar. Visto sob esse ângulo, todo o ser de Ivenes2, juntamente com sua enorme família, nada mais é do que um sonho de realização de desejos sexuais que se distingue dos sonhos de uma noite pelo fato de prolongar-se por meses e anos" (Jung, 1994, p. 78-9).

No final de sua tese, Jung conclui:

"Longe estou de acreditar que com este trabalho tenha conseguido um resultado definitivo ou cientificamente satisfatório. Meu esforço visou sobretudo à opinião superficial daqueles que dedicam aos fenômenos chamados ocultos nada mais que um sorriso de escárnio; também teve como objetivo mostrar as várias conexões que existem entre esses fenômenos e o campo experimental do médico e da psicologia e, finalmente, apontar para as diversas questões de peso que este campo inexplorado nos reserva. Este trabalho me convenceu de que neste campo está amadurecendo rica colheita para a psicologia experimental (...)

Espero que meu trabalho ajude a ciência a encontrar caminhos que a levem a compreender e assimilar sempre mais a psicologia do inconsciente" (Jung, 1994, 1902, p. 96).

Jung escreveu em circunstâncias obscuras um enigmático texto em 1916, intitulado "Septem Sermones ad Mortuos" (Sete Sermões aos Mortos). Atribuiu a autoria a um gnóstico do século II, Basílides, o que levou alguns a considerá-la uma obra mediúnica (Hoeller, 1990). Nunca levou o texto a público, apenas o distribuiu reservadamente a amigos; mais tarde qualificou a obra como um "pecado da juventude", arrependendo-se de tê-lo divulgado. Após alguma hesitação, consentiu em sua publicação junto às suas memórias (Jung, 1961).

Em 1946, quase meio século depois de seu trabalho inicial, em uma carta ao Dr. Künke (Jung, 2002), Jung faz uma análise de alguns livros escritos por via mediúnica enviados a ele pelo destinatário da carta. Nesta, afirma que estudou a literatura espírita a fundo e "por longo tempo, para descobrir o sentido desse movimento". Tendo concluído "com absoluta clareza que em todo movimento espírita havia uma compulsão inconsciente para fazer com que o inconsciente chegasse à consciência". Aponta duas razões pelas quais "os conteúdos inconscientes se manifestem na forma de personificações (espíritos)": porque esta sempre foi a forma tradicional de compensação inconsciente e porque é difícil provar com certeza que não se trate realmente de espíritos. Por outro lado, também diz ser muito difícil, senão impossível, a prova de que se tratem realmente de espíritos. Sobre este tema, Jung cita uma longa conversa sobre o tema que teve com o Prof. Hyslop3:

"Ele (Hyslop) admitiu que, considerando todos os fatores, a totalidade desses fenômenos metafísicos seria mais bem explicada pela hipótese dos espíritos do que pelas qualidades e peculiaridades do inconsciente. Com base em minhas próprias experiências, preciso dar-lhe razão neste aspecto. Em cada caso particular, preciso ser cético, mas, no geral, devo conceder que a hipótese dos espíritos traz melhores resultados na prática do que outra qualquer."

Apesar de cogitar a hipótese espírita, o autor deixa claro que "a grande maioria das comunicações têm origem puramente psicológica e só aparecem personificadas porque as pessoas não têm noção nenhuma da psicologia do inconsciente". Conta que observou muitos casos em que o inconsciente apareceu inicialmente na forma de espíritos, mas que, após descarregarem seus conteúdos na consciência, esses "espíritos" desapareceram. Jung comenta a dificuldade em se avaliar se a personalidade comunicante seria a personificação de um arquétipo (como a grande mãe, anima ou o velho sábio) ou realmente um espírito, pois estes dois fatores poderiam misturar-se:

"(...) no caso de Betty (personalidade comunicante), tenho dúvidas em negar sua realidade como espírito; isto significa que estou inclinado a aceitar que ela seja mais provavelmente um espírito do que um arquétipo, ainda que represente supostamente as duas coisas ao mesmo tempo. Parece-me que os espíritos têm uma tendência cada vez maior de se aglutinar aos arquétipos".

Em 1948, Jung (1977) escreveu a introdução da edição em alemão de um desses livros mediúnicos, The Unobstructed Universe (White, 1948). Nela, repete uma posição dúbia: por um lado, reafirma que os "espíritos" são na realidade personificações de conteúdos inconscientes, por outro lado reafirma sua dúvida quanto à origem de tais manifestações:

"Aqueles que não estão convencidos deveriam ter cautela em assumir ingenuamente que toda a questão dos espíritos foi resolvida e que todas as manifestações deste tipo são fraudes sem sentido. Isto não é tudo. (...) é fora de dúvida que elas são manifestações do inconsciente. (...) Eu não hesito em declarar que tenho observado um número suficiente de tais fenômenos para estar completamente convencido de sua realidade. Para mim, eles são inexplicáveis, e eu sou incapaz de decidir a favor de qualquer uma das interpretações usuais".

Em resumo, comenta que o livro, independentemente de sua origem, é um relato interessante de fatos psicológicos que "pode ser considerado como uma fonte de informações valiosas sobre o inconsciente". Também destaca os paralelos existentes entre a visão de psiquê apresentada no livro pelos "espíritos" e a evidenciada pelos achados recentes da pesquisa psicológica, mas com uma diferença fundamental: a adoção de uma "visão primitiva de mundo, onde os conteúdos do inconsciente são todos projetados em objetos externos".

Discussão e conclusão

Apesar de ter sido apresentada apenas uma visão panorâmica, pode-se perceber que o tema mediunidade já recebeu séria atenção de alguns dos principais autores da área mental, que não chegaram a uma posição comum. Podemos, didaticamente, separar suas conclusões em três grupos:

• Janet e Freud: as experiências mediúnicas são patológicas e fruto exclusivo da atividade do inconsciente do médium; não há a participação de qualquer faculdade paranormal.

• James e Jung: a mediunidade não é necessariamente patológica, teria origem no inconsciente do médium, mas não foi excluída a possibilidade de uma origem paranormal, inclusive a real comunicação de um espírito desencarnado. Reforçam a necessidade de maiores estudos.

• Myers: a mediunidade pode ser evidência de um desenvolvimento superior da personalidade, e suas manifestações teriam origem em um misto de fontes (inconsciente pessoal, telepatia e comunicação de espíritos desencarnados).

As três hipóteses em análise ilustram as principais posições assumidas por pesquisadores do tema. O que é digno de nota é o fato de a mediunidade ter sido objeto de intensas pesquisas que não levaram a uma teoria única e, mesmo assim, os estudos terem sido interrompidos. Num sentido "kuhniano', não havia ainda chegado a um paradigma maduro e aceito consensualmente pelo meio científico. Ou seja, interrompeu-se a empreitada num período pré-paradigmático, antes de se chegar a uma abordagem científica madura (Kuhn, 1970)".

Outro aspecto relevante são as declarações dos pesquisadores discutidos enfatizando a importância que a investigação e o melhor entendimento das vivências tidas como mediúnicas têm para a exploração da mente humana. Portanto, faz-se mister a retomada dos estudos sobre as experiências tidas como mediúnicas e reconhecer que um longo caminho já foi trilhado. Em artigo recente, os autores do presente trabalho apresentaram as diretrizes metodológicas para a investigação de estados alterados de consciência (Almeida e Lotufo Neto, 2003). Entre as principais linhas de pesquisa para a exploração das experiências tidas como mediúnicas estão: a fenomenologia destas vivências, o perfil psicológico e sociodemográfico dos médiuns, os mecanismos que produzem tais experiências, o diagnóstico diferencial com psicopatologia, estudos historiográficos sobre o apogeu e declínio das pesquisas sobre o tema há um século, bem como o impacto dessas pesquisas sobre nossa contemporânea teoria psiquiátrica e psicológica. O conhecimento e a análise do conhecimento já produzido sobre o tema por eminentes cientistas é uma etapa imprescindível, pois "se lemos mais o que já foi pesquisado, teremos menos a descobrir" (Rieber, 2002).

British Psychological Society - A Chronology of Psychology in Britain. Disponível na página http://www.bps.org.uk/documents/Chronol.pdf (acessado em 02/04/2003).

  • Endereço para correspondência
    NEPER - Núcleo de Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos, Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP
    Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, s/n
    São Paulo SP CEP 050403-010
    e-mail:
  • Recebido: 22/04/2004

    Aceito: 05/07/2004

    Este trabalho recebe o apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) Processo n. 01/02298-0.

  • 1
    Termo que provém da literatura científica francesa e significa "recordações não reconhecidas como tais". Jung a define como o "processo psíquico onde uma força automática e criativa faz com que traços perdidos da memória reapareçam em fragmentos maiores, com fidelidade fotográfica". (Jung, 1994, 1905, p. 101-11). Ou seja, são informações que chegam à consciência oriundas da memória, mas que não são reconhecidas como tal.
  • 2
    Um dos principais "espíritos" que se comunicava (p. 44).
    • ALMEIDA, A.M.; LOTUFO NETO, F. - Metodologia para o estudo de estados alterados de consciência. Revista de Psiquiatria Clínica 30: 21-8, 2003.
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    • FREUD, S. - Psicanálise e telepatia, (1921) 1941. In: Edição eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Imago, Rio de Janeiro.
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    • FREUD, S. - O futuro de uma ilusão, 1927. In: Edição eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Imago, Rio de Janeiro.
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    Endereço para correspondência NEPER - Núcleo de Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos, Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, s/n São Paulo SP CEP 050403-010 e-mail: alexma@usp.br 1 Termo que provém da literatura científica francesa e significa "recordações não reconhecidas como tais". Jung a define como o "processo psíquico onde uma força automática e criativa faz com que traços perdidos da memória reapareçam em fragmentos maiores, com fidelidade fotográfica". (Jung, 1994, 1905, p. 101-11). Ou seja, são informações que chegam à consciência oriundas da memória, mas que não são reconhecidas como tal. 2 Um dos principais "espíritos" que se comunicava (p. 44).

    Datas de Publicação

    •  Publicação nesta coleção
      20 Set 2004
    •  
    •  Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    •  Aceito
      05 Jul 2004
    •  
    •  Recebido
      22 Abr 2004