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18_09

OS ESPÍRITAS NA POLÍTICA



Os espíritas na política e a instrumentalização da fé

Recorro a Isaac Newton: “Uma força não pode exercer uma ação sem gerar uma reação igual e diretamente oposta

“O que o (ser humano) semear, isso mesmo colherá” (Gálatas, 6:7)

Em tempos de polarização, é preciso tomar partido, descer do muro, sair do armário e se posicionar contra todo tipo de intolerância e violência. Seja contra quem for.

Mas não podemos confundir, em hipótese alguma, “a reação do oprimido com a violência do opressor”, como afirmou o defensor dos direitos dos afro-americanos, Malcom X.

Como repetia Allan Kardec, em obras póstumas: “Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral aplicação”.

Há alguns dias entrei em um grupo de Whatsapp intitulado “Espíritas na política” a convite de alguns amigos. Consegui permanecer por cinco dias até ser expulso. São cerca de cem integrantes, com idades variadas, mas a maioria acima de 50 anos  e mulheres, embora sejam os homens os que mais participam e quase a totalidade do grupo declara-se “apolítico/a”.

Com o pretexto de debater candidaturas espíritas para cargos políticos, portanto partidários, o grupo é politicamente heterogêneo: tem de apoiadores da ditadura, armamentistas, militaristas, conservadores até – em menor quantidade, pois costumam ser Lá identifiquei três tipos de espíritas: os de esquerda e/ou progressistas (didaticamente, e às vezes contundentemente, contrários a qualquer postura ou candidatos que fomentem violência, ataquem os direitos humanos e desrespeitem a democracia), os de centro – e infelizmente não é um trocadilho – (mais neutros e pendendo, quase que sempre, para a defesa de ideias conservadoras e reacionárias) e os de extrema-direita (esses últimos, impossíveis de estabelecer qualquer tipo de debate, pois não há abertura, respeito, reciprocidade e afeto). 

São os representantes dessa última categoria que, diante de qualquer debate e na impossibilidade de argumentação, atacam com frases como: “Você não é espírita”, “você não sabe ler”, “temos que descer até onde esses ignorantes estão”.

No auge de uma discussão, implicaram até com a imagem de um companheiro que usa, como foto de perfil, a obra “In Voluptas Mors” do pintor surrealista Salvador Dalí com o fotógrafo Philippe Halsman. O caso chamou a atenção de um dos coordenadores do grupo que, embora também se declare apolítico, persegue, intimida, constrange e tenta silenciar aqueles com pensamentos mais progressistas.

Vivemos dias tristes para a frágil democracia brasileira e isso, naturalmente, tem refletido nas relações humanas. A facada em um candidato à presidência da República – e aqui não entrarei no mérito da legitimidade do caso – escancara as rupturas cívicas, éticas e morais que estamos vivendo.

Mostra-nos como precisamos nos posicionar duramente contra qualquer manifestação de ódio, violência e intolerância, mesmo que o alvo sejam aqueles que retroalimentam esses sentimentos. Ou será que acreditaram em algum momento que isso tudo não se voltaria contra eles mesmos?

Lei do retorno, das consequências, da causa e efeito – a causa é primária, o efeito, secundário – o que Isaac Newton chamou de “ação e reação”: “Uma força não pode exercer uma ação sem, no mesmo instante, gerar uma reação igual e diretamente oposta”, ou “toda causa gera um efeito correspondente”.

Lucas, o apóstolo, diz que tudo que recebemos vem a  partir do nosso ato de dar: “Dai e dar-se-vos-á” (6:38).

Dilma Rousseff teve um câncer, eles celebraram. Dilma foi golpeada, eles celebraram. Marisa Letícia, esposa do presidente Lula, teve um AVC, vindo a óbito em seguida, eles celebraram. A vereadora Marielle Franco foi brutalmente executada, eles celebraram. Lula foi preso, eles celebraram.

Acontece que nós não somos eles e não podemos nos alegrar com a barbárie e com o sofrimento, sob o risco da espiral do ódio, um dia, nos atacar também. Foi o que aconteceu com o candidato à presidência da República, que inclusive, ainda hospitalizado, fez um gesto com as mãos como se empunhasse uma arma de fogo, demonstrando não ter tirado nenhuma aprendizagem suficientemente boa a partir do episódio que o envolveu.

A política pode ser desenvolvida por gente religiosa e não religiosa. Há princípios religiosos que podem balizar a vida pública, mas aos religiosos cabe sempre lembrar que o Estado brasileiro é laico e que, portanto, não se pode desenvolver políticas a partir de determinadas crenças ou preceitos de fé, sob o risco de deixar de fora aqueles que não comungam das mesmas convicções.

Não é novidade a atuação de espíritas na política. Bezerra de Menezes fez isso de maneira brilhante. Liberal e de ideias abolicionistas, Bezerra não foi o “bom velhinho”, doce, que alguns espíritas insistem apresentar ou representar. Enérgico, dono de uma fabulosa oratória, foi contemporâneo de Joaquim Nabuco, Dom Pedro II e Rui Barbosa.

Ainda que o espiritismo não faça nenhuma acepção de indivíduos ou pregue qualquer tipo de discriminação – aliás, nenhuma religião faz, são as suas interpretações, feitas por gente, que gera exclusão e preconceito –, muitos trabalhadores e frequentadores de casas espíritas ainda são rotulados e excluídos por suas ideologias políticas, por sua condição socioeconômica e por questões de sexualidade e/ou gênero.

Percebam que temos muito trabalho pela frente, dentro e fora do movimento espírita: disputando narrativas, denunciando abusos cometidos por representantes espíritas, eliminando velhos paradigmas, construindo pontes em vez de muros, ensinando, didaticamente, conceitos de bem viver e justiça social e, sobretudo, resgatando os preceitos de amor e diálogo de Kardec, esquecidos pelos pseudo-médiuns midiáticos, pelos dirigentes fanáticos e pelos expositores ensimesmados.

Como disse o pastor Martin Luther King, no livro “Os Grandes Líderes”: “Não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não o fazer. Não posso ficar no meio de todas essas maldades sem tomar uma atitude”.

Publicado originalmente na revista Carta Capital em 10/09/2018




SOCIALISMO E ESPIRITISMO: RELAÇÕES INSUSPEITAS

 


Impregnado das ideias de progresso  e evolução, características do período  em que viveu, Kardec afirmava que Deus criara o mundo  com dois elementos: espírito  e matéria,  ambos regidos por uma lei natural que os empurrava em direção  ao progresso.  Originalmente simples e ignorantes, os espíritos evoluíam, através de seu esforço e trabalho, no sentido de um aperfeiçoamento.

Seleção  natural e  competitividade  na  evolução   dos  espíritos? Não.  Mas  eles eram,  sim, diferentes.  Podiam  ser “imperfeitos, bons e, no alto da escala, puros”. Os planetas  também  evoluíam, passando de mundos  imperfeitos  a regenerados e bons.  E sua evolução  se integrava  à dos espíritos.  Não  por  acaso,  espiritismo,  evolucionismo  e socialismo utópico  eram ideias que se hidratavam mutuamente. Pierre Leroux, socialista francês, afirmava, por exemplo, que as diversidades sociais eram explicadas  pelo desenvolvimento humano realizado através da existência.  No fundo, a caminhada para  um mundo  mais justo e fraterno estava na ordem do dia aqui ou no além. E os veículos para chegar lá seriam a evolução moral, a educação  e a caridade.

Não  eram  somente  os franceses  que teriam  influenciado os espíritas brasileiros. No mundo  anglo-saxão, muita coisa acontecia com reflexos ao sul do continente. Tal como no Brasil, onde a doutrina floresceu  entre  católicos,  lá ela crescia  entre  protestantes. A Guerra Civil americana funcionou como um rastilho de pólvora: famílias que viam seus filhos partir e que, através  de fotos da imprensa,  constatavam que eles haviam  morrido de forma  atroz, queriam  se comunicar com seus entes queridos.

Na própria Casa Branca, a mulher do então presidente Abraham Lincoln, Mary Abbot,  chorava  o filho falecido  no campo  de batalha em sessões assistidas pelo  marido. Juntou-se  a isso a luta  de socialistas  e cooperativistas ingleses, como  o líder  Robert  Owen,  recentemente  convertido. Nos  primórdios do socialismo, confiava-se num novo princípio de organização social que incluía a regeneração de tipo religioso.  Todos  acreditavam na  evolução  dos  seres humanos e dos sistemas  econômicos  e políticos  rumo  a um mundo  mais justo e melhor. Foi essa a época  das grandes  rebeliões operárias sobre as quais o espiritismo  tinha um efeito moralizante e era apresentado como um antídoto às paixões revolucionárias.

Kardec socialista? Não exatamente. A leitura de Fourier, o grande defensor  do cooperativismo, não  faria  dele um homem  de esquerda. Mas sim alguém profundamente interessado em reformas de educação ou que sugeria, em lugar de tribunais de justiça, instâncias  que “encorajassem  o bem”.  Em ambos  os lados do Atlântico  Norte, o espiritismo se associou  à luta pelo divórcio,  pelo fim da escravidão  e da pena de morte  e pelos direitos  da mulher  – “a  inteligência  não tem sexo”, dizia Kardec.

Depois de proclamada a República, o espiritismo consolidou uma doutrina de caridade  e auxílio  aos pobres,  substituindo a filantropia das elites católicas. Em 1880, no Nordeste, já circulavam  folhas como a Revista  Mensal,  de postura profundamente anticlerical,  enquanto o militar  Manuel  Vianna  de Carvalho, maçom  e espírita,  convocava para  debates  sobre  um socialismo  harmônico e pacífico. No  Sul, em Curitiba, o maçom Dario Vellozo fundou  uma “Igreja Pitagórica”, com mensagens éticas e discursos cosmológicos  pregando uma aliança entre Ocidente  e Oriente  e misturando teosofia, kardecismo e ocultismo. E, no Rio Grande do Sul, nascia o evidentismo, doutrina instituída por um libanês, Abílio de Nequete,  que unia elementos  cristãos,  kardecistas, bolcheviques  e tecnocratas. Muitos  militantes  do movimento operário gaúcho  eram  espíritas. Em São Paulo, o anarquista Edgard Leuenroth juntou-se  ao maçom  Benjamim Mota  para  fundar  a Folha do Povo: “tribuna de livre discussão, para uma investigação sincera da verdade […] eco às aspirações  de nosso tempo”. Já O Livre Pensador, jornal dirigido por Everardo  Dias, maçom, anarquista e espiritualista, se concentrava em defender  o espiritualismo e doutrinas afins. Com o jornal  A Lanterna,  Mota  foi mais fundo  e atacava  sem dó a Igreja Católica, por sua hipocrisia  e exploração da ignorância.

A confissão?  Absurda  e perigosa.  Os jesuítas?  Associados  à Inquisição,  eram  sinônimo  de atraso  máximo.  Só a educação  salvaria, somada à moralidade pública, ao trabalho e à ética de igualdade. Também na capital  paulista, fundavam-se lojas esotéricas  e centros  espiritualistas que mantinham contato com correspondentes estrangeiros para  o  estudo  do  magnetismo, ocultismo,  psiquismo  e espiritismo. Butiques  importavam livros, manuais  e objetos  mágicos,  bem como divulgavam  conhecimentos de astrologia e clarividência.

À medida  que o século XIX estertorava, as escolas de Direito  e Engenharia formavam profissionais  que tinham  para  o país projetos sociais em que não  mais cabia  a influência  da Igreja. Ao defender  a separação oficial entre Estado  e Igreja, a Constituição de 1891 abriu espaço para  ataques  a Roma e à propalada “infalibilidade papal”.

Deu-se um caldo: tanto  o fantástico na literatura quanto as tendências  baseadas no  kardecismo, no  espiritualismo, no  socialismo, no  anarquismo, na  maçonaria, no  racionalismo  e  no  positivismo buscavam  redefinir  o mundo. Procuravam ir em busca  do novo. Ao imaginário “católico”, rural  e monarquista, opunham-se ideias que remetiam  ao urbano, à República, ao futuro  e ao progresso. Combinação de razão e de paixão,  de sonho e realidade, de ciência e crenças, de esperanças  e medos, de maravilhas e técnicas, elas, as novas ideias, hidrataram o novo século junto com a Belle Époque.

Autora: Mary del Priore (baseado em “Do Outro Lado – a História do Sobrenatural e do Espiritismo”).