23_04

TRATAMENTO DA DEPRESSÃO - II

 

Bactérias intestinais estão associadas à depressão, segundo estudo


Bactérias do intestino estão associadas à depressão, mostra estudo

Cientistas querem entender como microrganismos que vivem no corpo humano influenciam a saúde mental

Najaf Amin passou dois anos recebendo cocô por correio. A professora e pesquisadora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, junto com o seu grupo de pesquisa, analisou o material enviado por mais de duas mil pessoas e concluiu que existem bactérias no nosso corpo que podem estar associadas ao desenvolvimento da depressão.

Os cientistas usam os excrementos para inferir quais microrganismos estão presentes no nosso intestino. Como a flora intestinal é consequência direta da alimentação, microbiologistas e psiquiatras concordam que uma dieta saudável é ponto-chave no cuidado com a saúde mental. Os resultados do estudo foram publicados na revista científica Nature, em dezembro de 2022.

Já existiam muitos indícios de que a flora intestinal poderia afetar a nossa saúde mental. Doenças como Alzheimer, autismo e Parkinson são algumas das quais podem ser associadas com as bactérias do interior do nosso corpo. Para a depressão, entretanto, havia apenas estudos, com grupos pequenos de participantes, que levavam a resultados desencontrados. Foi então que professora Amin resolveu jogar uma luz na questão.

Na primeira fase da pesquisa, amostras de fezes de mais de mil holandeses foram analisadas para identificar os microrganismos presentes. Além de coletar e enviar o material pelos correios, os voluntários preencheram questionários para avaliar a presença de sintomas clássicos de depressão. Depois foram feitas correlações entre as bactérias encontradas e as pessoas com maior tendência a desenvolver um quadro depressivo.

A pesquisa, então, foi repetida em um segundo grupo de participantes, de diferentes nacionalidades. Os novos resultados, quando comparados com os primeiros, coincidiram em muitos pontos. André Uitterlinden, coautor do estudo e docente da Universidade Erasmus de Roterdã, nos Países Baixos, afirma que "há replicação de uma observação original, e isso é uma coisa que nós normalmente não vemos em um artigo científico".

Segundo o professor, a robustez do trabalho oferece evidências sólidas da relação entre a microbiota e a saúde mental. No total, os pesquisadores identificaram 16 gêneros de bactérias associados com a depressão, mas para eles esse ainda é apenas o primeiro passo.

A depressão é um problema de saúde de causas complexas, e os autores consideram que são necessários estudos longitudinais, ou seja, realizados ao longo do tempo, e com ainda mais participantes para definir de vez sua associação com a flora intestinal.

Robert Kraaij, também é coautor do trabalho, ressalta que a relação entre os microrganismos do intestino e depressão pode se dar em duas direções. Tanto o comportamento depressivo pode acarretar em má alimentação, causando desequilíbrio desse ecossistema, quanto essa disbiose pode interferir no funcionamento do cérebro. Segundo eles, hoje o segundo aspecto interessa mais aos cientistas.

Existem três caminhos principais por meio dos quais esse conjunto de seres vivos pode influenciar a mente. Em primeiro lugar, quando há desbalanço da microbiota pode haver produção de citocinas que afetam o funcionamento do sistema imune. Outra via é através da produção direta, por ela, de substâncias que atuam como sinalizadores para o cérebro, como o GABA ou similares da epinefrina.

Mas conforme afirma Leandro Lobo, microbiologista e pesquisador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), tem chamado atenção o mecanismo de ação direta da flora intestinal. Experimentos de laboratório mostram que, no processo de ajudar na digestão dos nossos alimentos, a flora intestinal produz moléculas que caem na corrente sanguínea. Algumas delas estão envolvidas em funções de expressão e transcrição dos nossos próprios genes.

A professora Amin acredita que a dieta pode se tornar, no futuro, a linha de frente no combate a quadros depressivos. Em comparação com o uso de medicamentos, a mudança da alimentação é barata e não tem efeitos colaterais. Além disso, traz benefícios para outros aspectos da nossa vida, como a saúde cardiovascular.

Em segundo lugar, a pesquisadora vê o desenvolvimento de probióticos como uma consequência direta de pesquisas como a sua. Para isso, entretanto, ela reconhece que ainda é preciso avançar muito. É necessário identificar com precisão as cepas de bactérias benéficas antes de pensar em um produto para suplementar a dieta. Trabalhos atuais, como o seu, chega apenas até o gênero dos microrganismos.

Segundo Adiel Rios, psiquiatra e pesquisador voluntário do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), está se tornando comum que psiquiatras peçam o acompanhamento nutricional de alguns pacientes.

O especialista reforça a necessidade de dieta balanceada e personalizada, e acredita que mais pesquisas com evidências sólidas podem embasar futuras políticas públicas de dieta e nutrição voltadas para a saúde mental.

O estudo dos tratamentos complementares que envolvam fatores dietéticos capazes de diminuir os sintomas de transtornos mentais é feito pela psiquiatria nutricional, um campo ainda emergente no país. Rios, que atua na área, está trabalhando em ensaios clínicos para avaliar efeitos antidepressivos de probióticos em pacientes bipolares.

Ele afirma que o desenvolvimento bem-sucedido representaria uma nova estratégia para prevenir e tratar transtornos graves baseados na modulação da microbiota. Mas até chegar lá, os especialistas concordam que uma dieta balanceada e individual é o melhor caminho para manter a saúde do corpo e da mente em dia.

Trabalho de Acácio Raphael

Folha de São Paulo