Bactérias intestinais estão associadas à depressão, segundo estudo |
Bactérias do
intestino estão associadas à depressão, mostra estudo
Cientistas querem entender como microrganismos que vivem no
corpo humano influenciam a saúde mental
Najaf Amin passou dois anos recebendo cocô por correio. A professora e pesquisadora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, junto com o seu grupo de pesquisa, analisou o material enviado por mais de duas mil pessoas e concluiu que existem bactérias no nosso corpo que podem estar associadas ao desenvolvimento da depressão.
Os
cientistas usam os excrementos para inferir quais microrganismos estão
presentes no nosso intestino. Como a flora intestinal é consequência direta da
alimentação, microbiologistas e psiquiatras concordam que uma dieta saudável é
ponto-chave no cuidado com a saúde mental. Os resultados do estudo foram publicados na revista
científica Nature, em dezembro de 2022.
Já
existiam muitos indícios de que a flora intestinal poderia afetar a nossa saúde
mental. Doenças como Alzheimer,
autismo e Parkinson são algumas das quais podem ser associadas com as bactérias
do interior do nosso corpo. Para a depressão, entretanto, havia apenas estudos,
com grupos pequenos de participantes, que levavam a resultados desencontrados.
Foi então que professora Amin resolveu jogar uma luz na questão.
Na primeira fase da pesquisa, amostras de fezes de mais de mil holandeses foram analisadas para identificar os microrganismos presentes. Além de coletar e enviar o material pelos correios, os voluntários preencheram questionários para avaliar a presença de sintomas clássicos de depressão. Depois foram feitas correlações entre as bactérias encontradas e as pessoas com maior tendência a desenvolver um quadro depressivo.
A
pesquisa, então, foi repetida em um segundo grupo de participantes, de
diferentes nacionalidades. Os novos resultados, quando comparados com os
primeiros, coincidiram em muitos pontos. André Uitterlinden, coautor do estudo
e docente da Universidade Erasmus de Roterdã, nos Países Baixos, afirma que
"há replicação de uma observação original, e isso é uma coisa que nós
normalmente não vemos em um artigo científico".
Segundo o professor, a robustez do trabalho oferece evidências sólidas da relação entre a microbiota e a saúde mental. No total, os pesquisadores identificaram 16 gêneros de bactérias associados com a depressão, mas para eles esse ainda é apenas o primeiro passo.
A
depressão é um problema de saúde de causas complexas, e os autores consideram
que são necessários estudos longitudinais, ou seja, realizados ao longo do
tempo, e com ainda mais participantes para definir de vez sua associação com a
flora intestinal.
Robert
Kraaij, também é coautor do trabalho, ressalta que a relação entre os
microrganismos do intestino e depressão pode se dar em duas direções. Tanto o
comportamento depressivo pode acarretar em má alimentação, causando
desequilíbrio desse ecossistema, quanto essa disbiose pode interferir no
funcionamento do cérebro. Segundo eles, hoje o segundo aspecto interessa mais
aos cientistas.
Existem
três caminhos principais por meio dos quais esse conjunto de seres vivos pode
influenciar a mente. Em primeiro lugar, quando há desbalanço da microbiota pode
haver produção de citocinas que afetam o funcionamento do sistema imune. Outra
via é através da produção direta, por ela, de substâncias que atuam como
sinalizadores para o cérebro, como o GABA ou similares da epinefrina.
Mas
conforme afirma Leandro Lobo, microbiologista e pesquisador da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), tem chamado atenção o mecanismo de
ação direta da flora intestinal. Experimentos de laboratório mostram que, no
processo de ajudar na digestão dos nossos alimentos, a flora intestinal produz
moléculas que caem na corrente sanguínea. Algumas delas estão envolvidas em
funções de expressão e transcrição dos nossos próprios genes.
A
professora Amin acredita que a dieta pode se tornar, no futuro, a linha de
frente no combate a quadros depressivos. Em comparação com o uso de
medicamentos, a mudança da alimentação é barata e não tem efeitos colaterais.
Além disso, traz benefícios para outros aspectos da nossa vida, como a saúde
cardiovascular.
Em
segundo lugar, a pesquisadora vê o desenvolvimento de probióticos como uma
consequência direta de pesquisas como a sua. Para isso, entretanto, ela
reconhece que ainda é preciso avançar muito. É necessário identificar com
precisão as cepas de bactérias benéficas antes de pensar em um produto para
suplementar a dieta. Trabalhos atuais, como o seu, chega apenas até o gênero
dos microrganismos.
Segundo
Adiel Rios, psiquiatra e pesquisador voluntário do Hospital das Clínicas da USP
(Universidade de São Paulo), está se tornando comum que psiquiatras peçam o
acompanhamento nutricional de alguns pacientes.
O
especialista reforça a necessidade de dieta balanceada e personalizada, e
acredita que mais pesquisas com evidências sólidas podem embasar futuras políticas
públicas de dieta e nutrição voltadas para a saúde mental.
O
estudo dos tratamentos complementares que envolvam fatores dietéticos capazes
de diminuir os sintomas de transtornos mentais é feito pela psiquiatria
nutricional, um campo ainda emergente no país. Rios, que atua na área, está
trabalhando em ensaios clínicos para avaliar efeitos antidepressivos de
probióticos em pacientes bipolares.
Ele
afirma que o desenvolvimento bem-sucedido representaria uma nova estratégia
para prevenir e tratar transtornos graves baseados na modulação da microbiota.
Mas até chegar lá, os especialistas concordam que uma dieta balanceada e
individual é o melhor caminho para manter a saúde do corpo e da mente em dia.
Trabalho de Acácio Raphael