Estudo identifica alterações cerebrais e sanguíneas em
indivíduos que cometeram suicídio
Mudanças moleculares podem ser interpretadas
como marcadores de risco e fornecer novas pistas em neurobiologia
Em
artigo publicado na
revista Psychiatry Research, pesquisadores brasileiros descrevem um conjunto de
alterações moleculares presentes no cérebro e no sangue de indivíduos que
cometeram suicídio. Segundo os autores, o objetivo foi identificar fatores de
suscetibilidade e potenciais alvos terapêuticos.
De
acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de
700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente no mundo. Entre os jovens, termo
que designa a faixa etária dos 15 aos 29 anos, o impacto do suicídio é
particularmente alarmante, representando a quarta principal causa de morte. Os
dados, de 2019, foram obtidos na última edição do Global Burden of Disease,
estudo epidemiológico que reúne mais de 200 países e fornece um quadro
abrangente das principais causas de mortalidade e incapacidade global.
Diversos
fatores de risco estão associados ao suicídio, incluindo histórico familiar,
traços de personalidade, condições socioeconômicas, exposição a ideias nocivas
nas mídias sociais e presença de transtornos psiquiátricos, especialmente depressão e
transtorno bipolar. "Contudo, apesar do enorme impacto psicológico, social
e econômico gerado pelas mortes por suicídio, a identificação do risco é feita
apenas com base em entrevistas clínicas.
Os
mecanismos neurobiológicos associados às alterações comportamentais ainda são
pouco elucidados. E esse foi o foco de nosso estudo, de acordo com a
neurocientista Manuella Kaster, professora da UFSC (Universidade Federal de
Santa Catarina) e coordenadora da pesquisa ao lado de Daniel Martins-de-Souza,
professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Segundo
Kaster, o grupo revisou e reanalisou uma grande quantidade de dados disponíveis
na literatura sobre alterações moleculares encontradas no cérebro e no sangue
de indivíduos que cometeram suicídio.
"O
uso de ferramentas como a transcriptômica, a proteômica e a metabolômica
permitiu a avaliação simultânea e comparativa de genes, proteínas e metabólitos
presentes nas amostras. E verificamos que, em condições complexas como o
suicídio, essas análises apresentam um grande potencial, uma vez que podem
fornecer a base para a identificação de fatores de suscetibilidade, além de
potenciais alvos terapêuticos", acrescenta Martins-de-Souza.
De
forma simplificada, as alterações moleculares podem ser interpretadas como
"marcadores de risco" e fornecer novas pistas em neurobiologia, o que
constitui um importante auxílio às informações levantadas nas entrevistas
clínicas. "Um dado notável observado em diferentes estudos é que muitos
indivíduos procuram serviços de saúde no ano anterior à tentativa de suicídio ou
ao suicídio. Mas, devido às dificuldades na identificação do risco, não recebem
a atenção que poderia evitar o desfecho", afirma Kaster.
Caibe Alves Pereira, doutorando da UFSC orientado por Kaster e primeiro autor do artigo, recolheu 17 estudos que traziam informações sobre alterações cerebrais na expressão de genes e proteínas de indivíduos que cometeram suicídio, em comparação com dados de indivíduos acometidos por outras causas de morte. O córtex pré-frontal foi a região cerebral mais avaliada.
"Essa
região do cérebro apresenta uma grande conexão com os centros de controle
emocional e de controle de impulsos. É fundamental em processos de
flexibilidade comportamental e de tomada de decisão. Alterações em sua
estrutura ou função podem ser extremamente relevantes no contexto do
comportamento suicida", afirma Kaster.
Tal
informação é especialmente relevante no caso dos jovens, porque o córtex
pré-frontal é uma das últimas regiões do cérebro a ficar maturada. Alterações
em mecanismos de plasticidade no córtex pré-frontal, afetadas pelos diferentes
fatores de risco (sociais, culturais, psicológicos etc.), podem ter um impacto
significativo no controle emocional e comportamental em indivíduos jovens.
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo