Cientistas criaram um modelo experimental para estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocá-las em risco Foto: Universidade de Cambridge/AFP |
Quando o cérebro engana a consciência?
Cientistas tentam entender episódios alucinatórios e estão
medindo todo tipo de atividade cerebral a partir de um modelo experimental
Você está andando numa rua deserta e sente que tem alguém atrás de
você. Se vira e não tem ninguém. Ou então ouve uma voz, procura e não descobre
a pessoa que falou.
Esses são exemplos de alucinações leves que ocorrem com muitos de
nós. Estudos indicam que aproximadamente 10% das pessoas saudáveis tiveram
experiências como essa alguma vez na vida. Lembro de muitos casos que me
ocorreram ao longo dos anos.
Mas, as alucinações podem ser constantes e muito fortes, como
acontece com pacientes com esquizofrenia, que ouvem vozes constantemente ou
mesmo podem “ver” pessoas imaginárias. E há ainda os casos de pessoas que, em
condições de estresse ou cansaço, têm visões. O que ocorre muito em pessoas que
estão cruzando desertos, desidratadas, são as miragens. Finalmente existem as
alucinações causadas por drogas alucinógenas, como o LSD, ou submetidas a
estímulos auditivos repetitivos, como em terreiros de candomblé e outros
rituais.
Uma das funções mais importantes de nosso cérebro é apresentar para nossa consciência imagens, sons e cheiros que refletem o que está acontecendo em nossa volta, no mundo exterior. Para tanto recebe as informações vindas dos sentidos (olhos, ouvidos, etc...) e com elas constrói uma representação do mundo exterior. É essa representação que chega à nossa consciência. Quando essa representação é falha, por exemplo numa ilusão de óptica, ficamos confusos.
As alucinações ocorrem quando nosso cérebro produz e apresenta à
consciência representações do mundo exterior que não existem de fato. Ouvimos
sons ou vemos imagens que não correspondem ao que está do lado de fora de nosso
corpo. Elas podem ser simples e facilmente corrigidas (às vezes basta olhar para
trás), ou podem ser terríveis como nos surtos de esquizofrenia.
Faz anos que os cientistas tentam entender como nesses episódios
alucinatórios o cérebro consegue enganar a consciência. O problema é que até
recentemente esses estudos tinham de ser feitos com pacientes psiquiátricos ou
induzindo alucinações usando drogas como o LSD. Mas, o maior interesse é
exatamente entender como e porque isso ocorre com pessoas normais.
Sabendo o mecanismo de como e porque ele ocorre, talvez possamos
ajudar a evitar ou melhorar esses episódios em pessoas doentes. E, para
executar esses estudos, é necessário um modelo experimental. Como estudar
alucinações em ratos ou camundongos é impossível (ratos não conseguem nos
contar o que passa por suas cabeças), o que estava faltando era uma maneira
fácil e reproduzível de induzir alucinações em pessoas normais sem usar drogas
ou medidas radicais. Foi exatamente esse modelo que foi desenvolvido agora.
Os cientistas desenvolveram uma cadeira com um braço mecânico na
parte de trás. Esse braço é capaz de tocar as costas de uma pessoa de forma
leve. O voluntário senta na cadeira e em cima da mesa tem um botão. Ele é
instruído a apertar o botão quando quiser e, quando isso ocorre, o braço
mecânico toca as costas da pessoa.
Antes de sentar na cadeira, todo o mecanismo é explicado para a
pessoa, então ela sabe o que vai acontecer. Aí, a pessoa começa a brincar com o
botão. O que ela não sabe é que, a partir de um momento, os cientistas mudam a
programação do dedo mecânico de modo que ele, em vez de tocar a pessoa
imediatamente, espera por meio segundo antes de se mexer e tocar as costas do
voluntário.
O impressionante é que nessas condições praticamente todas as
pessoas começam a sentir e falar que tem uma pessoa atrás delas tocando as
costas, e deixam de acreditar que é o robô. Ou seja, elas começam a alucinar
levemente. Claro que se elas virarem para trás verão que não tem ninguém lá.
Mas, essa alucinação ocorre de forma reprodutível na grande maioria dos seres
humanos, sem o uso de drogas e na ausência de qualquer patologia psiquiátrica.
Pronto, os cientistas agora possuem um modelo experimental para
estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocar a pessoa em
risco. Agora, usando esse método, os cientistas estão ocupados medindo todo
tipo de atividade cerebral durante alucinações, e tentando aumentar as
alucinações com estímulos auditivos, vindo de gravações de sons apresentados
por fones de ouvido.
Usando essa nova tecnologia é muito provável que nos próximos anos
vamos entender as causas e os mecanismos que levam nossos cérebros a enganarem
nossa consciência. Com isso, vamos entender e talvez aliviar uma boa parte das
alucinações que nos incomodam ou podem nos levar ao desespero absoluto.
Mais informações: Robotically-induced
auditory-verbal hallucinations: combining self-monitoring and strong perceptual
priors. Psychological Medicine