O que é a 'zona incerta' do cérebro, que intriga cientistas há quase 150 anos
Pesquisadores têm noção de que a zona incerta desempenha um papel em processos-chave do corpo humano, como a memória
O cérebro humano é um órgão tão poderoso quanto misterioso.
Nesta massa de aproximadamente 1,5 kg habitam cerca de 86
bilhões de neurônios que compõem a massa cinzenta. Isso é quase igual ao número
de estrelas na Via Láctea.
Esses neurônios se conectam entre si por meio de sinapses.
Estima-se que o número de sinapses no cérebro humano seja próximo a um
quatrilhão, ou seja, 1 seguido de 15 zeros.
Sinapse entre dois neurônios |
Um exemplo desses enigmas do cérebro e da memória é a chamada
"zona incerta" — uma região sobre a qual há mais perguntas do que
respostas.
A zona incerta do cérebro se comunica com quase todos os centros dos circuitos neurais
"É uma região sobre a qual nada pode ser dito com
certeza", escreveu Forel.
Hoje, quase 150 anos depois, a situação permanece praticamente a mesma. Apesar de todos os avanços da medicina e da tecnologia, ninguém realmente entende o que é a zona incerta.
No
entanto, os especialistas têm noção de que a zona incerta desempenha um papel
em processos-chave do corpo humano, como a memória.
Mesmo
assim, ela ainda é uma parte pouco estudada do corpo.
Mas
estudos recentes encontraram novas informações sobre essa região importante,
mas negligenciada, do nosso cérebro.
POUCAS
CERTEZAS
A
zona incerta é uma faixa de massa cinzenta localizada na área central do
cérebro.
A zona incerta desempenha um papel na consolidação da memória |
Ao
longo da zona incerta, pelo menos quatro sub-regiões foram identificadas, cada
uma associada a um papel específico, que variam de funções motoras e viscerais
a excitação e atenção.
A
zona incerta também tem sido associada a funções como sono, regulação da dor e
aprendizado, explica Huizhong.
E
um estudo recente em camundongos mostrou que a zona também pode desempenhar um
papel importante na consolidação da memória de longo prazo.
Mas
além disso, pouco se sabe sobre os mecanismos sob os quais essa zona do cérebro
atua e como se comunica com outras regiões do cérebro para realizar tarefas.
Por
exemplo, a zona incerta é uma das poucas regiões comumente visadas para
estimulação em pacientes com Parkinson,
mas os cientistas não sabem ao certo por que ela tem a capacidade de aliviar os
sintomas da doença.
POR
QUE É DIFÍCIL ESTUDAR ESSA ZONA?
A
zona incerta é uma estrutura fina, localizada no fundo do cérebro, por isso é
difícil de estudá-la em pessoas vivas, diz Huizhong.
Além
disso, explica o especialista, a composição química e celular dessa membrana é
complexa.
Cada
uma de suas subdivisões aparentemente tem funções distintas, e seus neurônios
envolvem a ação de até 20 neurotransmissores diferentes, dificultando sua
análise como um todo.
E,
como se isso não bastasse, "sua conexão com outras partes do cérebro é
extremamente complexa", diz Huizhong.
A
zona incerta se comunica com quase todos os centros dos circuitos neurais,
desde o córtex cerebral até a medula espinhal, o que também ajuda a explicar
por que ela está envolvida em papéis tão diversos.
A zona incerta funciona como uma rede de semáforos que otimiza o tráfego de sinais no cérebro - Getty Images |
Um
estudo recente em camundongos, conduzido pela Universidade de Freiburg e
pelo Instituto
Max Planck para Pesquisa do Cérebro na Alemanha,
encontrou novas evidências de que a zona incerta pode desempenhar um papel
fundamental na atenção e na memória duradoura.
A
análise mostrou que a zona incerta tem uma conexão particular com o neocórtex
cerebral, a maior e mais evoluída região do cérebro.
Nos
humanos, o neocórtex é considerado o maior depósito de memórias de longo prazo.
Também é responsável por várias das funções cognitivas que nos distinguem, como
o raciocínio, a consciência e a linguagem.
Porém,
não se sabe exatamente como as memórias e experiências chegam e ficam
armazenadas ali.
SINAIS
INTERNOS E EXTERNOS
Para
formar novas memórias, o cérebro deve fazer uma conexão entre os estímulos
sensoriais que vêm de fora e os sinais internos que contêm informações de
experiências passadas.
Para
fazer isso, os neurônios trocam sinais que excitam (ativam) ou inibem
(desativam) certas áreas do cérebro conforme necessário.
No
passado, os estudos se concentravam em observar o efeito que os sinais de
excitação tinham sobre o aprendizado e a memória.
Este
novo estudo concentrou-se em sinais inibitórios decorrentes da zona incerta.
Cientistas
observaram que a zona incerta desempenha um papel no aprendizado e na memória,
não pela excitação de outros neurônios, mas pela inibição.
Essa inibição acaba criando uma "rede de inibição" que desativa certas conexões para otimizar o fluxo de conexões excitatórias em outras áreas.
Essa
"rede inibitória" poderia ser comparada a um sistema de semáforos que
se coordenam entre si para interromper o tráfego em algumas ruas e, assim,
permitir que ele flua mais rapidamente em outras.
"O
que observamos foi uma redistribuição completa da inibição dentro do
sistema", diz Anna Schroeder, principal autora do estudo.
Por
meio desse mecanismo, o resultado líquido é uma excitação dos circuitos do
neocórtex para facilitar o aprendizado.
POR
QUE ISSO É IMPORTANTE?
"Este
estudo é muito interessante", diz Huizhong, que não participou da
pesquisa.
"Ele
oferece novas visões sobre mecanismos neurais para aprendizagem e
memória."
Os
autores da pesquisa afirmam que entender os mecanismos pelos quais as memórias
são formadas pode ser útil para tratamentos contra perda de memória,
transtornos de ansiedade ou Parkinson.
Eles
ainda mencionam que a zona pode ter implicações para o desenvolvimento de inteligência
artificial e desenvolvimento de software.
Por
enquanto, porém, eles estão convencidos de que seu estudo serve para
"inspirar outros pesquisadores" a continuar procurando pistas para
resolver o mistério da zona incerta.
Este
texto foi publicado originalmente na BBC News Brasil.