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6 - COMBINAÇÕES DE MATERIALISMO E ESPIRITUALISMO


Muitas pessoas adotam uma visão de mundo que é uma combinação das duas abordadas, isto é, para alguns fenômenos adotam a visão materialista, e para outros a espiritualista. É o caso de muitos cientistas, ao admitirem que a criação da matéria e da energia tem uma origem não-física, não tendo quanto a esse fato o preconceito de existirem apenas processos físicos; no entanto, adotam como hipótese de trabalho ou como crença que daí para diante o mundo foi deixado a si próprio, e não há mais atuação de fenômenos não-físicos, isto é, são deístas. Assim, são espiritualistas quanto à origem do universo, e são materialistas daí para a frente. Um caso desses foi Einstein, que admitia que Deus tinha criado as "leis" da natureza; no entanto, depois dessa criação ele/ela não mais atua, em particular no ser humano, o que ele expressava dizendo ser contra a ideia de um Deus pessoal que pune ou recompensa cada indivíduo: "Qualquer pessoa que se envolve seriamente no trabalho científico acaba convencida de que existe um espírito que se manifesta nas leis do universo ..." [ISA, p. 398]; "Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia bem-ordenada de tudo o que existe; mas não acredito num Deus que se ocupe com o destino e as ações da humanidade." [p. 399.] Um outro caso são os cientistas que adotam fervorosamente alguma religião: em sua pesquisa científica são 100% materialistas, mas ao professarem sua religião são espiritualistas (nos dois casos, em geral do tipo crente).

Uma vez participei no Instituto de Física da USP de uma mesa-redonda com um conhecido geneticista brasileiro, que se considera profundamente católico. Ele declarou publicamente algo como o seguinte: "Durante a semana, eu ponho meu avental e vou para a o laboratório; no fim de semana ponho meu terno e vou para a igreja, que mal há nisso?" Para mim, isso é uma tragédia, pois os tipos de pensamento que ele exerce nos dois casos e a maneira de encarar o mundo são totalmente incompatíveis. No entanto, trata-se de uma só pessoa; aparentemente, é como se ele tivesse dupla personalidade. Ele encara o mundo do laboratório materialisticamente, e o resto do mundo, talvez humano e social, espiritualmente. Mas onde termina o mundo do laboratório e começa esse outro mundo? O quanto do pensamento do laboratório influencia a vida comum, e vice-versa? Para começar, os cientistas são pessoas humanas, e vivem em sociedade. Em segundo lugar, a escolha da pesquisa a ser feita não é uma ação científica, pois depende do gosto ou impulso do cientista e da moda científica. Esta última refere-se, por exemplo, aos modismos (preferências por certas áreas consideradas muito importantes) na aceitação de artigos, como também nas facilidades no financiamento da pesquisa. Durante a "guerra fria", para garantir nos EUA o financiamento de alguma pesquisa em Ciência da Computação bastava dourar a pílula com algo de tradução automática. Entre nós, um caso típico foi o do Projeto Genoma da Xilella fastidiosa, promovido em 1997 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, fazendo com que muitos laboratórios de pesquisa em biologia voltassem-se para essa área. Aliás, não há hoje nenhum laboratório de biologia que se preze que não tenha um sequenciador de DNA; já em 2000 um pesquisador de um desses laboratórios disse-me que esse sequenciadores tornaram-se tão populares e necessários como os voltímetros.
Por outro lado, muitas pessoas que se dizem religiosas ou espiritualistas pensam materialisticamente, como os que querem provar fisicamente a existência de fenômenos não-físicos. Conheci razoavelmente bem um espírita que se tornou um renomado biólogo. Ele contou-me que, quando jovem, media o peso das pessoas antes de uma sessão mediúnica e logo depois dela, para ver se parte da massa delas tinha sido consumida na energia (física, obviamente) usada na manifestação dos "espíritos" durante a sessão.
Como afirmei no item 5, considero absolutamente essencial fazer-se uma separação entre o que é físico do que é não-físico. O que é não-físico não pode de maneira alguma ser detectado fisicamente, especialmente por meio de aparelhos. Isso não significa que ele não pode influenciar o mundo físico, principalmente nos seres vivos, como em minha teoria indicada brevemente naquele item.

prossegue em 7 - A CIÊNCIA MODERNA