O
que pensamos nos minutos enquanto o cérebro morre?
Novo estudo demonstra que após a parada cardíaca e a perda de
consciência, o cérebro tem um pico de atividade, principalmente nas áreas
associadas à visão e à consciência
Por Fernando Reinach
Eu devia ter 14 anos quando descobri que a morte não ocorre
instantaneamente, mas é um processo relativamente longo. Foi no dia em que me
contaram que as unhas de um cadáver continuam a crescer durante o velório.
Hoje sabemos que isso não é verdade; é o dedo que murcha após a
morte e causa essa impressão. Entretanto, depois que o coração para de bater, o
corpo fica sem oxigênio e perdemos a consciência, os neurônios cerebrais
levam de 3 a 7 minutos para morrer.
Se a pessoa for doador de órgãos, os médicos precisam retirar os
órgãos doados para transplante em 30 minutos e implantá-los em até seis horas.
Caso isso ocorra, o órgão sobrevive no novo corpo, indicando que continuava
vivo. Isso demonstra que a morte é um processo que dura tempos diferentes em
diferentes órgãos e que só termina quando a última célula do corpo morre.
A novidade é um estudo que demonstra que após a parada cardíaca
e a perda de consciência, o cérebro tem um pico de atividade, principalmente
nas áreas associadas à visão e à consciência. E isso pode explicar as
experiências lembradas por pessoas que sobrevivem a uma parada cardíaca.
Todos nós já vimos no cinema: a pessoa tem um ataque cardíaco, o
coração para, a respiração também. A vítima perde a consciência imediatamente e
as pessoas em volta passam a fazer massagem cardíaca apertando ritmicamente o
peito do paciente.
Essa manobra mantem um pouco do sangue circulando, e o pulmão
oxigenando o sangue. Para tentar reativar o coração, podem ser dados choques e
drogas quando ela chega no hospital. No desenrolar do filme, duas coisas podem
acontecer.
A primeira é os médicos não conseguirem reativar o coração e,
num dado momento, desistirem, desligarem os equipamentos e declararem a pessoa
morta. A segunda é que os esforços funcionam, o coração volta a funcionar e a
pessoa pode sair lépida do hospital.
Entre as pessoas que se recuperam de uma parada cardíaca,
aproximadamente 10% relatam experiências consistentes dos pensamentos que
tiveram quando estavam inconscientes. São os chamados pensamentos próximos da
morte (near death experiences).
Eles normalmente envolvem visões da pessoa saindo do corpo, e da
vida sendo recapitulada rapidamente. Esses relatos são tão consistentes que os
cientistas hoje acreditam que eles têm alguma relação com a falta de oxigênio
no cérebro.
Esse novo trabalho tenta descobrir o que ocorre no cérebro nos 5
a 10 minutos depois que o fluxo de oxigênio é interrompido. Foram estudadas
quatro pessoas em que os esforços de reanimação do coração foram infrutíferos e
os médicos decidiram parar a massagem cardíaca, os choques, e desligaram todos
os sistemas de suporte.
Mas nesses quatro casos tudo foi desligado, menos o aparelho de
eletroencefalograma, que mede a atividade cerebral. Esses pacientes, no momento
em que tudo foi desligado, estavam completamente inconscientes e não
apresentavam nenhuma resposta neurológica.
O aparelho de eletroencefalograma consiste em uma série de eletrodos fixados no couro cabeludo que medem a atividade elétrica na parte do cérebro logo embaixo do osso da caixa craniana. Em pessoas saudáveis, esses sinais elétricos são diferentes quando nosso cérebro executa diferentes funções, e sua análise permite identificar de maneira grosseira o que está ocorrendo no cérebro.
O que os cientistas observaram é que o cérebro desses pacientes
mostrava pouca atividade durante o tempo em que os médicos estavam tentando
reanimar o paciente, algo típico do estado de coma.
Mas assim que o fluxo de oxigênio é interrompido, a atividade cerebral aumenta abruptamente e essa atividade dura por até 6 minutos, quando ela cessa completa e definitivamente. Esses seis minutos são a transição entre um cérebro vivo e um cérebro morto.
Analisando o padrão dessa atividade, as áreas ativadas, e as comunicações elétricas entre diversas regiões, os cientistas concluíram que durante esse tempo, em que o cérebro está morrendo, é possível que pensamentos inconscientes e memórias sejam ativadas. Como todos esses pacientes não sobreviveram à parada cardíaca não é possível saber o que eles relatariam se acordassem.
Mas uma consequência dessa descoberta é que talvez essa
atividade cerebral que ocorre durante os primeiros minutos da falta total de
oxigênio sejam os processos que geram as memórias e pensamentos próximos a
morte reportados por parte dos pacientes que sobrevivem a uma parada cardíaca.
O que poderia estar acontecendo é que assim que o fornecimento
de oxigênio ao cérebro cessa, essa atividade cerebral intensa gera sensações de
saída do corpo e memórias do passado. Quando esses pacientes são reanimados e
seus corações voltam a bater novamente, eles saem do coma, acordam, e essas
lembranças voltam à consciência. Os cientistas esperam testar essa
possibilidade no futuro próximo.
O interessante do estudo é que ele representa uma nova linha de
investigação cujo objetivo é estudar e compreender os fenômenos que ocorrem
durante o processo da morte. Essa compreensão pode ajudar a entender que
processos podem ser revertidos e como revertê-los. Sem dúvida, é uma área da
ciência um pouco mórbida e triste, mas que pode ser promissora.