Mais temidos que leões
Experimento mostra que até os maiores mamíferos
da África temem ser humano mais do que leões
"Não há um único animal humilde na Inglaterra que
não fuja da sombra do homem, feito uma alma penada do Purgatório. Nenhum
mamífero, nenhum peixe, nenhuma ave deixa de fazê-lo. Basta estender o trajeto
da sua caminhada até o barranco de um rio e até os peixes vão disparar para
longe de você. É preciso ter feito algo sério, acredite em mim, para ser temido
desse jeito em todos os elementos que existem."
Essas palavras terríveis vêm da boca de um idoso rei Arthur
em "The Once and Future King" ("O Único e Eterno Rei", numa
das versões em português), série de romances de fantasia escrito pelo britânico
T.H. White (1906-1964). Os livros, além de recontar o ciclo arturiano com
delicadeza e paixão, investigam as tendências violentas da natureza humana
pensando na relação entre a nossa espécie e outros animais. E, ao menos no que
diz respeito ao parágrafo que acabei de citar, White acerta na mosca. Tudo
indica que não existe predador mais temido do que o Homo sapiens na
face da Terra.
Dados experimentais que corroboram essa ideia vêm de um estudo publicado recentemente na revista especializada
Current Biology. O trabalho,
coordenado por Liana Zanette, da Universidade Western, no Canadá, usou um
sistema automatizado de câmeras e alto-falantes para tentar quantificar o medo,
diante de ameaças, de uma ampla variedade de mamíferos africanos.
Estamos falando de 19 espécies que são exatamente o que você
espera da fauna carismática da savana africana: rinocerontes, girafas, búfalos,
hipopótamos, zebras, leopardos —o sonho de qualquer criança interessada em
montar uma coleção de bichinhos de pelúcia, em suma.
Zanette e seus colegas instalaram seu aparato de pesquisa no
Parque Nacional Kruger, uma das mais importantes áreas protegidas da África do Sul.
Os aparelhos foram colocados, durante a estação seca, em torno de "water
holes" —pequenos lagos, às vezes temporários, que são a principal fonte de
água para a fauna da região em períodos de pouca chuva. Muitas espécies
diferentes se reúnem em (relativa) paz em torno dos "water holes", de
modo que esse tipo de lugar é ideal para estudar as reações de diversos tipos
de mamíferos ao mesmo tempo.
Os alto-falantes em volta dos "bebedouros" podiam
reproduzir uma série de sons diferentes: seres humanos conversando em línguas
africanas comuns na região, barulho de armas sendo disparadas, cães latindo (os
dois últimos seriam indício claro de uma caçada acontecendo), leões rugindo e
vocalizações de aves. As câmeras, por sua vez, estavam prontas para registrar a
reação dos bichos presentes aos sons. Design experimental mais simples que
esse, impossível.
Autor: Reinaldo José Lopes
Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de
"1499: O Brasil Antes de Cabral".