Crânio
de humano moderno (à direita) e do 'Homo floresiensis', uma das espécies de
hominídeos descobertas que coexistiram com o 'Homo sapiens' - Peter Brown |
Geneticistas contestam teoria de que ancestrais da humanidade estiveram à beira da extinção
Estudo chinês indicava que existiam apenas
1.280 indivíduos espalhados pelo planeta há 900 mil anos
Poderia
ser verdade que a humanidade
esteve prestes a desaparecer há 900 mil anos, quando havia apenas cerca
de 1.280 indivíduos espalhados por todo o planeta?
Essa
é a teoria de um recente estudo de
cientistas chineses que utilizaram modelos de análise genética para
determinar que nossos antepassados estiveram à beira da aniquilação durante
quase 120 mil anos.
Entretanto,
estudiosos que não participaram da investigação criticam esta afirmação, e um
deles contou à AFP que havia um acordo "praticamente unânime" entre
os geneticistas populacionais de que a teoria não era convincente.
Embora
seja plausível inferir que os ancestrais dos humanos possam ter estado à beira
da extinção em algum momento —fenômeno conhecido como um "efeito de
gargalo" populacional—, especialistas levantaram dúvidas de que o estudo
possa ser tão preciso em termos de datas e quantidades de espécies que
sobreviveram.
Estimar
mudanças demográficas tão antigas é extremamente complicado, dado os poucos
fósseis de ancestrais dos humanos disponíveis que remontam a centenas de milhares
de anos, tornando difícil extrair seu DNA e
conhecer mais sobre suas vidas.
Estes
cientistas críticos reforçaram que outros métodos similares não haviam sido
capazes de detectar esta queda relevante da população.
No
entanto, com o avanço do sequenciamento genético, agora os cientistas podem
analisar mutações em humanos modernos, e depois utilizar um modelo
computacional que funciona retroativamente no tempo para entender como as populações
mudaram, mesmo em um passado mais distante.
99%
DE ANCESTRAIS ANIQUILADOS?
No
início de setembro, um estudo publicado pela revista Science analisou os genomas de
mais de 3.150 humanos modernos.
A
equipe liderada por pesquisadores chineses desenvolveu um cálculo em que o
número de ancestrais humanos reprodutores caiu para, aproximadamente, 1.280
indivíduos há cerca de 930 mil anos.
"Perderam-se
em torno de 98,7% dos ancestrais humanos" no começo deste "efeito de
gargalo", disse o coautor Haipeng Li, do Instituto Nutrição e Saúde de
Xangai, da Academia de Ciências da China.
"Nossos
antepassados quase foram extintos e tiveram que se ajudar para
sobreviverem", analisou.
Potencialmente
causado por um período de resfriamento global, este funil se estendeu até cerca
de 813 mil anos atrás, segundo o estudo. Depois, houve um pico demográfico,
possivelmente causado pelo aquecimento das temperaturas terrestres e pelo
"domínio do fogo", acrescenta.
Os
pesquisadores sugeriram que a endogamia durante o efeito de gargalo poderia
explicar por que os humanos têm um nível significativamente mais baixo de
diversidade genética em comparação a muitas outras espécies.
A redução
populacional poderia então ter contribuído para a evolução separada dos
neandertais, denisovanos e dos humanos modernos. Acredita-se que todos eles
nasceram de um ancestral comum naquela época, segundo o estudo.
Também
poderia explicar a dificuldade de encontrar fósseis de ancestrais humanos
datados daquele tempo, achado, segundo relatos de arqueólogos, no Quênia, Etiópia,
Europa e China e que poderiam sugerir que nossos antepassados estavam mais
espalhados do que o efeito de gargalo possibilitaria.
"A
hipótese de um colapso global não se encaixa com as evidências arqueológicas e
de fósseis humanos", disse Nicholas Ashton, do Museu Britânico, à revista
Science.
Em
resposta, os autores do estudo indicaram que hominídeos que viviam na Eurásia e
no leste da Ásia podem não ser ancestrais dos humanos modernos.
A
humanidade de hoje é descendente destes que sobreviveram milagrosamente,
explica Li. "Essa pequena população é o ancestral comum de todos os
humanos modernos. Do contrário, não teríamos vestígios dela em nosso DNA",
completou.
'EXTREMAMENTE
CÉTICO'
Stephan
Schiffels, presidente do grupo de genética populacional do Instituto Max Planck
de Antropologia Evolutiva, na Alemanha,
declarou-se "extremamente cético" em relação às precisões do estudo.
Para ele,
"nunca será possível" utilizar a análise de genomas de humanos
modernos para obter um número tão preciso como 1.280, como o estimado pelo
grupo, que disse ter calculado que esta população estaria entre 1.270 e 1.300
indivíduos.
Schiffels
afirmou ainda que os dados utilizados pelo estudo já existiam há anos e que as
análises anteriores, baseadas nestas informações, não identificaram nenhum
evento que poderia levar à extinção.
Os
autores da investigação chinesa simularam o efeito de gargalo, utilizando
alguns destes modelos anteriores, mas desta vez detectaram uma grande queda
populacional.
"É
difícil ser convencido por esta conclusão", opina Pontus Skoglund, do
Instituto Francis Crick, do Reino Unido.
Aylwyn
Scally, pesquisadora de genética evolutiva humana da Universidade de Cambridge,
disse à AFP que "uma resposta bastante unânime entre os geneticistas
populacionais e de pessoas que trabalham neste campo é que o artigo não é
convincente".
Segundo
ela, os ancestrais dos humanos modernos podem ter estado à beira da extinção em
algum momento, mas a capacidade de dados de genomas modernos de inferir tal
evento é "muito fraca".
"Provavelmente,
essa é uma daquelas perguntas que não seremos capazes de responder",
concluiu.
Trabalho de Daniel Lawler