Para entender o porquê, vamos voltar a 13,8 bilhões
de anos atrás, até o Big Bang. Este evento produziu uma enorme quantidade da
matéria da qual você é feito e também algo chamado de antimatéria. Acredita-se
que cada partícula tenha uma companheira de antimatéria virtualmente idêntica a
si mesma, mas com a carga oposta. Quando uma partícula e sua antipartícula
se encontram, elas se aniquilam — desaparecendo em uma explosão de luz.
Um dos maiores mistérios da física moderna é o
motivo de o universo que vemos hoje ser feito inteiramente de matéria. Se
houvesse uma quantidade igual de antimatéria, tudo no universo teria sido
aniquilado. Nossa pesquisa revelou uma nova fonte dessa assimetria entre
matéria e antimatéria.
A antimatéria foi pensada pela primeira vez por
Arthur Schuster em 1896, depois uma base teórica para Paul Dirac em 1928, e
descoberta na forma de anti-elétrons, apelidados de pósitrons, por Carl
Anderson em 1932. Os pósitrons ocorrem em processos radioativos naturais, como
no decaimento do potássio-40. Isso significa que a banana (que contém potássio)
emite um pósitron a cada 75 minutos. Depois aniquilam com elétrons de
matéria para produzir luz. Aplicações médicas, como PET scans, produzem
antimatéria no mesmo processo.
Os blocos fundamentais de construção da matéria que
compõem os átomos são as partículas elementares chamadas de quarks e léptons.
Existem seis tipos de quarks: up, down, strange, charm, bottom e top. Da mesma
forma, existem seis léptons: o elétron, o múon, o tau e três neutrinos. Há
também cópias de antimatéria dessas doze partículas que diferem apenas em sua
carga.
As partículas de antimatéria devem, em princípio,
ser imagens espelhadas perfeitas de seus companheiros normais. Mas experimentos
mostram que isso nem sempre é o caso. Tomemos como exemplo partículas
conhecidas como mésons, que são feitas de um quark e um anti-quark. Os mésons
neutros têm uma característica fascinante: eles podem se transformar espontaneamente
em seu anti-meson e vice-versa. Nesse processo, o quark se transforma em um
anti-quark ou o anti-quark se transforma em um quark. Porém, experimentos
mostraram que isso pode acontecer mais em uma direção do que na outra — criando
mais matéria do que antimatéria ao longo do tempo.
A terceira vez é um encanto
Entre as partículas que contêm quarks, apenas as
que incluem os quarks estranhos e os inferiores exibem tais assimetrias — e
essas foram descobertas extremamente importantes. A primeira observação da
assimetria envolvendo partículas estranhas aconteceu em 1964 e permitiu
teóricos preverem a existência de seis quarks — em uma época em que apenas três
eram conhecidos. A descoberta, em 2001, da assimetria em partículas de fundo
foi a confirmação final do mecanismo dos seis quarks. Ambas as descobertas
levaram ao Prêmio Nobel.
Tanto o quark estranho quanto o do fundo carregam
uma carga elétrica negativa. O único quark carregado positivamente que
teoricamente deveria ser capaz de formar partículas que podem exibir assimetria
de matéria e antimatéria é o charm. A teoria sugere que, se isso acontecer, o
efeito deve ser minúsculo e difícil de detectar.
No entanto, agora o experimento LHCb conseguiu
observar essa assimetria de partículas chamadas de D-meson — que são compostas
de quarks de charm — pela primeira vez. Isso é possível graças à quantidade sem
precedentes de partículas de charm produzidas diretamente nas colisões do LHC,
do qual fui pioneiro há uma década. O resultado indica que a chance de
isso ser uma flutuação estatística é de cerca de 50 em um bilhão.
Se essa assimetria não vem do mesmo mecanismo que
causa as assimetrias dos quarks estranhos e do fundo, isso abre espaço para
novas fontes de assimetria entre matéria e antimatéria que podem ser
adicionadas ao total no universo primitivo. E isso é importante porque os
poucos casos conhecidos de assimetria não conseguem explicar por que o universo
contém muita matéria. A descoberta da partícula charm por si só não será
suficiente para preencher essa lacuna, mas é uma peça fundamental no
entendimento das interações das partículas fundamentais.
Próximos passos
A descoberta será seguida por um aumento do número
de trabalhos teóricos, que ajudam a interpretar o resultado. Mas, mais
importante, após a nossa descoberta isso vai delinear mais testes para
aprofundar o entendimento — vários deles já estão em andamento.
Durante a próxima década, o experimento LHCb
atualizado aumentará a sensibilidade para esses tipos de medições. Isso será
complementado pelo experimento Belle II, no Japão, que está apenas começando a
operar. Essas são perspectivas empolgantes para a pesquisa da assimetria de
matéria-antimatéria.
A antimatéria também está no coração de vários
outros experimentos. Anti-átomos inteiros estão sendo produzidos no Antiproton
Decelerator do CERN, que alimenta outros experimentos que realizam medições de
alta precisão. O experimento AMS-2 a bordo da Estação Espacial Internacional é
um que está à procura de antimatéria de origem cósmica. E uma série de
experimentos atuais e futuros abordará a questão da existência de assimetria de
matéria e antimatéria entre os neutrinos.
Enquanto ainda não conseguimos resolver
completamente o mistério da assimetria entre matéria-antimatéria do universo,
nossa mais recente descoberta abriu as portas para uma era de medições de
precisão que têm o potencial de descobrir fenômenos ainda desconhecidos. Há
todos os motivos para estarmos otimistas de que a física um dia será capaz de
explicar por que estamos aqui.
*Marco Gersabeck é professor de física na
Universidade de Manchester. A matéria original foi publicada em inglês
no The Conversation.
Publicado originalmente na revista Galileu