A Empowered, uma start-up sediada em Pasadena, Califórnia,
projetou o que a empresa chama de 'o primeiro amigo robô de IA do
mundo'
A
inteligência pode ser separada do corpo?
Alguns pesquisadores questionam se a I.A. pode ser
verdadeiramente inteligente sem um corpo para interagir e aprender com o mundo
físico
Oliver
Whang
Qual
é a relação entre mente e corpo?
Talvez
a mente seja como um controle de videogame,
movendo o corpo pelo mundo, levando-o para passear. Ou talvez o corpo manipule
a mente com fome, sonolência e ansiedade,
algo como um rio guiando uma canoa. A mente é como ondas eletromagnéticas,
entrando e saindo de nossos corpos como em lâmpadas? Ou a mente é um carro na
estrada? Um fantasma na máquina?
Talvez
nenhuma metáfora se encaixe perfeitamente porque não há distinção entre mente
e corpo. Existe apenas uma experiência, ou algum tipo de processo físico,
uma gestalt.
Essas
questões, que atormentam filósofos há séculos, estão ganhando uma nova urgência
à medida que máquinas sofisticadas com inteligência
artificial começam a se infiltrar na sociedade. Chatbots
como o GPT-4 da OpenAI e o Bard do Google têm mentes, em certo
sentido. Treinados em vastos arcabouços de linguagem humana, eles aprenderam a
gerar novas combinações de texto, imagens e até vídeos. Quando preparados da
maneira certa, podem expressar desejos, crenças, esperanças, intenções, amor.
Eles podem falar de introspecção e dúvida, autoconfiança e arrependimento.
Mas
alguns pesquisadores de IA dizem que a tecnologia não alcançará a verdadeira
inteligência, ou a verdadeira compreensão do mundo, até que funcione com um
corpo capaz de perceber, reagir e sentir seu entorno. Para eles, falar de
mentes inteligentes desencarnadas é equivocado, até mesmo perigoso. A IA que é
incapaz de explorar o mundo e aprender seus limites, assim como as crianças
descobrem o que podem e o que não podem fazer, pode cometer erros que ameaçam a
vida e perseguir seus objetivos pondo em risco o bem-estar humano.
"O
corpo, de uma forma muito simples, é a base para uma ação inteligente e cautelosa",
disse Joshua Bongard, roboticista da Universidade de Vermont. "Até onde
posso ver, este é o único caminho para uma IA segura."
Em
um laboratório em Pasadena, na Califórnia, uma pequena equipe de engenheiros
passou os últimos anos desenvolvendo uma das primeiras combinações de um grande
modelo de linguagem com um corpo: um robô turquesa chamado Moxie. Mais ou menos
do tamanho de uma criança, Moxie tem uma cabeça em forma de lágrima, mãos
macias e vivos olhos verdes. Dentro de seu corpo de plástico rígido há um
processador de computador que executa o mesmo tipo de software que o ChatGPT e
o GPT-4. Os fabricantes do Moxie, parte de uma startup chamada Empowered,
descrevem o dispositivo como "o primeiro amigo robô de IA do mundo".
O
bot foi concebido em 2017 para ajudar crianças com transtornos de
desenvolvimento a praticar consciência emocional e habilidades de comunicação.
Quando alguém fala com o Moxie, seu processador converte o som em texto e
alimenta o texto em um grande modelo de linguagem, que por sua vez gera uma
resposta verbal e física. Os olhos de Moxie podem se mover para consolá-lo pela
perda de seu cachorro e ele pode sorrir para incentivá-lo a ir à escola. O robô
também possui sensores que captam pistas visuais e respondem à sua linguagem
corporal, imitando e aprendendo com o comportamento das pessoas ao seu redor.
"É
quase como uma comunicação sem fio entre humanos", disse Paolo Pirjanian,
roboticista e fundador da Empowered. "Você literalmente começa a sentir
isso em seu corpo." Com o tempo, disse ele, o robô fica melhor nesse tipo
de intercâmbio, como um amigo conhecendo você.
Pesquisadores
da Alphabet, empresa controladora do Google, adotaram
uma abordagem semelhante para integrar grandes modelos de linguagem com
máquinas físicas. Em março, a empresa anunciou o sucesso de um robô chamado
PaLM-E, capaz de absorver recursos visuais de seu ambiente e informações sobre
a posição do próprio corpo e traduzir tudo em linguagem natural. Isso permitiu
que o robô representasse onde estava no espaço em relação a outras coisas e,
eventualmente, abrisse uma gaveta e pegasse um saco de batatas fritas.
Robôs
desse tipo, dizem os especialistas, serão capazes de realizar tarefas básicas
sem programação especial. Eles poderiam servir um copo de água, preparar seu
almoço ou erguê-lo do chão após uma queda, tudo em resposta a uma série de
comandos simples.
Mas
muitos pesquisadores duvidam que as mentes das máquinas, quando estruturadas
dessa forma modular, algum dia estarão verdadeiramente conectadas ao mundo
físico; portanto, nunca serão capazes de exibir aspectos cruciais da
inteligência humana.
Boyuan
Chen, um roboticista da Universidade Duke que está trabalhando no
desenvolvimento de robôs inteligentes, apontou que a mente humana —ou qualquer
outra mente animal, no caso— é inextricável das ações e reações do corpo ao
mundo real, moldado ao longo de milhões de anos de evolução. Os bebês humanos
aprendem a pegar objetos muito antes de aprenderem a linguagem.
A
mente do robô artificialmente inteligente, em contraste, foi construída
inteiramente sobre a linguagem, e muitas vezes comete erros de senso comum
decorrentes de procedimentos de treinamento. Falta uma conexão mais profunda
entre o físico e o teórico, disse Chen. "Acredito que a inteligência não
pode nascer sem ter a perspectiva de encarnações físicas."
Alguns
especialistas, incluindo Pirjanian, recentemente manifestaram preocupação
numa carta
sobre a possibilidade de se criar uma IA que pudesse esmagar humanos
desinteressadamente na busca de algum objetivo (como produzir clipes
de papel com eficiência) ou que pudesse ser aproveitada para fins malignos
(como campanhas de desinformação). A carta pedia uma pausa temporária no
treinamento de modelos mais poderosos que o GPT-4.
Bongard,
assim como vários outros cientistas do ramo, achou que a carta pedindo uma
pausa na pesquisa poderia provocar um alarmismo desinformado. Mas ele está
preocupado com os perigos de nossa tecnologia em constante evolução e acredita
que a única maneira de impregnar a IA incorporada com uma compreensão robusta
de suas próprias limitações é confiar na constante tentativa e erro de se
movimentar no mundo real.
Comece
com robôs simples, disse ele, "e conforme eles demonstrem que podem fazer
coisas com segurança você os deixa ter mais braços, mais pernas, lhes dá mais
ferramentas".
E talvez,
com a ajuda de um corpo, surja uma verdadeira mente artificial.
Tradução
de Luiz Roberto M. Gonçalves
Publicado na Folha de São Paulo