INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas temos percebido um aumento rápido no conhecimento sobre a nossa vizinhança cósmica e, com as observações de objetos cada vez mais distantes, a fronteira do Universo parece ter sido empurrada para os confins do tempo. Somos a primeira geração de seres humanos capazes de perceber os grandes detalhes da História Cósmica, das origens do Universo até o desfile das estrelas pelos céus, da formação de sistemas planetários próximos ao nosso próprio sistema solar à descoberta que moléculas essenciais para a formação da vida encontram-se espalhadas por toda a nossa Galáxia e outras galáxias. Nossa percepção de mundo e, quiçá, do futuro da humanidade sobre a Terra, será fortemente influenciado pela apreciação e entendimento dos processos físicos que ocorrem no Universo. Nesse capítulo faremos um breve resumo da História da Cosmologia e apresentaremos uma visão da Cosmologia dentro do paradigma observacional que permite formular um modelo mais consistente de Universo: o chamado Modelo Cosmológico Padrão (MCP), ou Ω-CDM. Discutiremos os constituintes do Universo, os principais pontos relacionados com sua origens e evolução. Finalizaremos este capítulo com uma breve discussão sobre o futuro do Universo.
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
As origens históricas de uma visão cosmológica do Universo estão diretamente ligadas aos conceitos míticos que povoaram as religiões dos povos antigos. Como as fronteiras do “mundo conhecido” eram praticamente desconhecidas, cada civilização associava seu “universo” ao mundo terreno, Sol, Lua e planetas. Essa associação tinha raízes numa necessidade de organizar o “Cosmos” e, de alguma forma, explicar a origem do lugar onde o Ser humano vivia. Durante boa parte do curso da História, a associação de corpos errantes no céu com divindades nos remete diretamente ao conceito de magia, que hoje pode ser vista como uma tentativa de manipular a influência do Ser humano no mundo natural. Nessa época vivíamos num mundo de relacionamentos e afinidades, cujo pretenso controle era feito por sacerdotes e magos, com o objetivo de tentar compreender e dominar as forças da natureza. Nesse sentido, enquanto “experimentador de técnicas mágicas”, o sacerdote pode ser considerado como o antepassado do cientista e, por que não?, do astrônomo, uma vez que muitas das crenças mágicas envolviam rituais em que a necessidade de se prever ou aproveitar os ciclos celestes era premente. As crenças humanas a respeito do Cosmos e o desenvolvimento de suas ideias sobre a natureza serviram como um fio que guiou a espécie humana através do labirinto de diferenças culturais em várias civilizações e ao longo do tempo. Essas crenças agiram também como um espelho, refletindo a visão científica de sua época. A cosmologia na Idade Antiga pode ser bem representada pela astronomia egípcia e mesopotâmica e seu apogeu ocorreu no florescer da Grécia Clássica. A civilização grega clássica (600 a.C.) foi a sociedade antiga que mais avançou em Astronomia e em outras áreas do conhecimento humano como filosofia, matemática e artes. Ao mesmo tempo, a mitologia grega era bem criativa. Essa civilização foi bastante influenciada pelos antigos egípcios e babilônios, tanto na área mitológica como na científica. A cosmologia grega, por exemplo, foi uma fusão evoluída das idéias egípcias, fenícias, mesopotâmias, minoanas e micênicas. Muitos filósofos, pensadores e cientistas gregos contribuíram para o crescimento da astronomia. A civilização árabe deu continuidade à busca do conhecimento científico e à evolução cultural proporcionados pelos antigos gregos. Foram os árabes que nomearam boa parte das estrelas e constelações com o nome que conhecemos hoje. Por outro lado, durante a Idade Média (de 800 a 1450 d.C.), a evolução do pensamento científico na civilização ocidental foi praticamente inexistente. O modelo de Ptolomeu (Universo Geocêntrico) transformou-se em dogma adotado pela religião cristã e, em conseqüência, pela civilização cristã. Era conveniente e alinhado com o pensamento eclesiástico da época admitir a Terra como centro do Universo. No séc. XV, o filósofo e astrônomo germânico Nicolau de Cusa (1401 – 1464) sugeriu, em seus trabalhos, imaginou que a Terra não era o centro do Universo propondo que a mesma girava em torno de seu eixo e imaginou que as estrelas fossem outros sóis situados a distâncias diferentes num espaço infinito. Entretanto, somente com o Renascimento Europeu, associado ao período das grandes viagens de navegação, a Ciência Ocidental retomou seu crescimento. O início da revolução astronômica veio com a introdução do sistema heliocêntrico para o Universo, proposto por Nicolau Copérnico (1473 – 1543) e a visão de Universo de Giordano Bruno (1548 – 1600), seguido pela utilização do telescópio por Galileu Galileu (1564 – 1642) e pela descoberta das leis que levam o nome do astrônomo Johannes Kepler (1571 – 1630), entre os sécs. XV e XVII. A partir desses três marcos e das descobertas científicas de Isaac Newton (1643 – 1727), no séc. XVIII, a Astronomia começou a evoluir de forma quantitativa, separando-se cada vez mais da astrologia e marcando o início da chamada ciência moderna. A noção real de que um “universo” existe além do nosso sistema solar só veio aparecer no séc. XIX e a cosmologia, enquanto ciência individual, somente passou a ser considerada no séc. XX. Partiremos dessa época para nossa abordagem cosmológica.
O QUE É COSMOLOGIA?
A Cosmologia é a ciência que estuda a origem, estrutura e evolução do Universo e é uma ciência multidisciplinar. Seu objetivo é entender como o Universo se formou, por que ele tem a forma que hoje vemos e qual será o seu destino no futuro. As principais ferramentas utilizadas para esse entendimento vêm da Física, Matemática e Astronomia. Da Física vem as leis que descrevem fenômenos físicos nos laboratórios da Terra e, ao verificarmos que elas descrevem fenômenos semelhantes em lugares distantes do Universo, podemos reafirmar seu caráter universal. De certa maneira, um cosmólogo utiliza o Universo como um imenso laboratório. A Matemática nos dá a linguagem utilizada para registrar os processos observados e que permitem uma descrição precisa dos fenômenos astronômicos. Da Astronomia tomamos emprestadas as técnicas de observação do céu, medição do tempo e determinação das escalas de distância envolvidas. Observações astronômicas de objetos e fenômenos distantes são utilizadas pelos cosmólogos na montagem do quebra-cabeças que é entender o Universo. Podemos ainda incluir, no rol das ferramentas, a Química e a Filosofia. A primeira é importante no estudo da composição da matéria no meio interestelar e a segunda fornece o arcabouço que insere a Cosmologia na hierarquia do pensamento humano. O estudo da cosmologia está intimamente ligado a uma teoria de gravitação, uma vez que a força que atua em escalas astronômicas e cosmológicas é a força gravitacional, uma das quatro forças conhecidas (além da gravitacional, as forças eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca). A principal teoria de gravitação utilizada na descrição do Universo em escalas muito grandes – maiores do que os aglomerados e superaglomerados de galáxias – é a Teoria da Relatividade Geral (TRG), proposta por Albert Einstein (1879 – 1955). Ela veio substituir a Teoria Clássica da Gravitação proposta por Isaac Newton e, em linhas gerais, descreve como a matéria molda o espaço-tempo em que está inserida, ao mesmo tempo em que o espaço-tempo define as propriedades de dinâmicas (isto é, de movimento) da matéria. Ela será brevemente descrita na Seção 9.3.1. Algumas variantes da TRG existentes hoje serão também rapidamente abordadas. Ao observar o céu, o ser humano pode “definir” o tamanho do seu Universo (no jargão astronômico, o “Universo observável”, muito menor do que o Universo inteiro) em função das limitações dos instrumentos disponíveis e, consequentemente, da região acessível a seus instrumentos. Isso não quer dizer que não existam fenômenos além das regiões que conseguimos ver. Nosso universo tem as fronteiras tecnológicas (que vão sendo superadas à medida que inventamos instrumentos mais sensíveis) e as impostas pelas leis físicas. Nesse caso estamos limitados pela velocidade com que a informação transportada pela radiação eletromagnética (que pode ser luz, ondas de rádio, raios X e radiação medida em outros comprimentos de onda) se propaga. Assim, é possível - 9.9 - estender o raciocínio e imaginar que existem fenômenos astronômicos que já aconteceram, mas cujo sinal eletromagnético (na forma de ondas de rádio, por exemplo) ainda não chegou até nós porque a fonte encontra-se muito distante da Terra. Além da questão da distância existe o problema da absorção da radiação eletromagnética incidente, em quase todo o espectro eletromagnético, pela atmosfera da Terra. As únicas “janelas” visíveis do solo estão nas faixas óptica e rádio do espectro. A Figura 1 apresenta um diagrama que relaciona os comprimentos de onda com o mecanismo de absorção dentro da atmosfera. Estudando a radiação eletromagnética emitida por objetos celestes, podemos estimar a que distância eles se encontram, mapear o Universo e, em última instância, procurar respostas para algumas perguntas fundamentais formuladas pelo ser humano desde que este começou a olhar para o céu... Em última instância, sempre estaremos questionando nossas origens: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?
Fonte: INPE
Autor: Carlos Alexandre Wuensche
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