Matthieu Ricard é um monge budista ordenado e um autor internacionalmente best-seller de livros sobre altruísmo, direitos dos animais, felicidade e sabedoria. Seus esforços humanitários levaram seu país de origem a conceder-lhe a Ordem Nacional do Mérito da França — a residência principal de Ricard é um mosteiro no Nepal.
Ele foi intérprete francês do Dalai
Lama e possui um doutorado em genética celular.
No início dos anos 2000, pesquisadores da Universidade de Wisconsin descobriram
que o cérebro de Ricard produzia ondas gama, que foram relacionadas a
aprendizado, atenção e memória, em níveis tão elevados que ele ficou conhecido
como “o homem mais feliz do mundo”.
Tenho meditado há 15 anos e isso melhorou minha capacidade de
controlar meus pensamentos e emoções. Mas ainda fico irritado se não encontro
uma vaga para estacionar. Será que essas coisas vão embora?
Bem, elas podem. Uma vez eu estava no India
Today Conclave [evento anual que reúne pensadores de vários campos] e pediram:
“Você pode nos dar os três segredos da felicidade?” Eu disse: “Primeiro, não
tem segredo. Em segundo lugar, não há apenas três pontos. Terceiro, leva uma
vida inteira, mas é a coisa mais valiosa que você pode fazer”. Fico feliz em
sentir que estou no caminho certo. Não consigo imaginar sentir ódio ou querer
que alguém sofra.
Não é a melhor coisa a dizer, mas posso facilmente imaginar querer
que certas pessoas sofram. Como lidar graciosamente com nossos opostos em um
mundo cada vez mais dividido?
Uma vez, há muito tempo, alguém me perguntou
com quem eu gostaria de passar 24 horas a sós. Eu disse: “Saddam Hussein.
Talvez, quem sabe, alguma pequena mudança nele seja possível”. Quando falamos
de compaixão, você quer que todos encontrem a felicidade. Sem exceção. Você não
pode querer isso apenas por aqueles que são bons ou próximos. Tem que ser
universal. Você pode dizer que Vladimir Putin e Bashar al-Assad são a
escória da humanidade, e com razão. Mas a compaixão trata de remediar o
sofrimento e sua causa. Como? Você pode desejar que o sistema que permitiu que
alguém assim surgisse seja mudado. Às vezes, visualizo Donald Trump indo a
hospitais, cuidando de pessoas, levando migrantes para sua casa. Você pode
desejar que a crueldade, a indiferença, a ganância desapareçam da mente dessas
pessoas. Isso é compaixão; isso é ser imparcial.
Mas por que a compaixão tem que ser universal?
Porque isso é diferente do julgamento moral.
Isso não te impede de dizer que são psicopatas ambulantes, que não têm coração.
Mas a compaixão é remediar o sofrimento onde quer que esteja, seja qual for a
sua forma e seja quem for que o cause. Então, qual é o objeto de compaixão
aqui? É o ódio e a pessoa sob seu poder. Se alguém bate em você com um pedaço
de pau, você não fica bravo com o pau — você fica bravo com a pessoa. Essas
pessoas de quem estamos falando são como paus nas mãos da ignorância e do ódio.
Podemos julgar os atos de uma pessoa em um determinado momento, mas a compaixão
é desejar que o sofrimento e as causas dele possam ser remediadas.
As pessoas têm se referido a você como o homem mais feliz do
mundo. Você sente toda essa felicidade?
Isso é uma grande piada. Não podemos conhecer
o nível de felicidade por meio da neurociência. É um bom título para os
jornalistas usarem, e eu não consigo me livrar dele.
De
qualquer forma, eu aproveito cada momento da vida, mas é claro que há momentos
de tristeza extrema —especialmente quando você vê tanto sofrimento. Mas isso
deve acender sua compaixão, e se isso acontecer, você caminha para uma
existência mais forte, saudável e significativa. Isso é o que eu chamo de
felicidade.
Não é como se o tempo todo você estivesse
pulando de alegria. A felicidade é mais uma linha de base. É para onde você
volta após os altos e baixos, alegrias e tristezas.
Você já sentiu desespero?
Não há sentido. Podemos nos sentir tristes se
virmos sofrimento, mas a tristeza não é contra um profundo sentimento de
eudaimonia [palavra grega usada por Aristóteles para descrever a felicidade
alcançada por pessoas que baseiam suas ações na razão e na moral], de
realização, porque a tristeza se vai com a compaixão, com a determinação de
remediar a causa. Desespero: você está no fundo do buraco, não tem saída. Isso
é fatalismo. Mas o sofrimento vem de causas e condições. Esses são
impermanentes, e a impermanência é o que permite a mudança.
Sua resposta sugere que você está fazendo escolhas conscientes
sobre seus sentimentos. Isso não é algo que todo mundo é capaz.
As emoções são como qualquer característica
da mente: elas podem mudar. Podemos ficar mais familiarizados com esse processo
e identificá-lo cedo. É como quando você vê um batedor de carteira em uma sala:
“Aha, cuidado”. 2.500 anos de budismo e 40 anos de neuroplasticidade: tudo diz
que podemos mudar. Você não nasceu sabendo escrever suas matérias. Você sabe
que é fruto do seu esforço. Então, por que as principais qualidades humanas
seriam gravadas em pedra desde o início? Isso seria uma exceção em comparação a
todas as outras habilidades que temos. É por isso que gosto da ideia que a
felicidade é uma habilidade.
Mas alguém ainda poderia dizer: Sim, mas como eu mudo? A resposta
é tão simples quanto “comece a pensar em compaixão”?
Quando você está naquele momento de amor
incondicional — por uma criança, por exemplo — isso preenche nossa mente por 30
segundos, talvez um minuto, e de repente se vai. Todos nós já experimentamos
isso. A única diferença é cultivar isso de alguma forma. Fazer com que isso
permaneça um pouco mais. Tente ficar com essa sensação por 10, 20 minutos. Se
desaparecer, tente trazer de volta. Dê vibração e presença para esse
sentimento. Isso é exatamente do que se trata a meditação. Se você fizer isso
por 20 minutos por dia, mesmo que por três semanas, desencadeará uma mudança.
Poderia sugerir um pensamento que as pessoas possam levar e que
possa ser útil para elas ao passarem pelos desafios da vida?
Se puder, cultive o calor humano e deseje
genuinamente que outras pessoas sejam felizes; essa é a melhor maneira de
preencher sua própria felicidade. Esse também é o estado de espírito mais
gratificante. Há aqueles que acreditam no egoísmo e dizem: “Você faz isso (boas
ações) para se sentir bem” — isso é tão estúpido. Porque se você ajudar os
outros, mas não se importar nem um pouco, então você não sentirá nada! Querer
separar as ações pelos outros do sentimento de bem-estar próprio é como tentar
fazer uma chama queimar apenas com luz: sem produzir calor. Se tentarmos humildemente
aumentar nossa benevolência, essa será a melhor maneira de ter uma vida boa. É
o melhor conselho que eu poderia dar.